sábado, 14 de fevereiro de 2009

Tema 13 - Humor

Inexato

Houve alterações, sempre as há de havê-las. A feminilidade não pressupõe exatidão ou estabilidade, eis o charme. De lá pra cá de cá pra lá, entre risos e choros, glórias, louros ou mau agouros, a parte sensível humana não permite quaisquer decretos finalista e fatalista. Uma eterna transição entre pólos opostos internamente, luta incondicional cuja glória não se mede pelo tanto que se ganha e sim pela eficácia da operação, normalmente levada a cabo sem prévia concepção. Essa incógnita do gênero feminino, estudada inúmeras vezes por inúmeros profissionais, da psiquiatria à dramaturgia, da filosofia às artes aritméticas e científicas da medicina, porém todas as especulações conclusivas acerca do assunto nunca foram satisfatórias, explica-se o fenômeno, detecta-se a causa a vida continua a mesma, o que altera-se é o consumo, dos farmacêuticos à cosmetologia, a feminilidade, através dos tempos, só cambia de alegoria e de humores, o que, em rude análise, não é passível de câmbio, não se altera o que é instintivo.

Aconteceu lá pelas bandas da Zona Norte, um crime cuja autoria era feminina, a vítima, um rapaz de vinte e oito anos estudante de engenharia numa dessas faculdades que do quintal surgem e dominam o ministério da educação, quiçá hão de dominar o globo. Diziam os clientes ser ela uma mulher como qualquer outra e que mesmo quando irritada demonstrava docilidade, contradição própria do gênero. Ela o matou, é verdade que o rapaz não era tão direito quanto as fantasias femininas de criança sugerem, mas da parte dela não havia outra demonstração senão o desejo sexual, o que para ele era muito conveniente, ele acreditava que as mulheres não tinham a capacidade intelectual muito apurada o que nunca escondera de Sônia, esse era seu nome, e ao que ela sempre relevara, pela irrelevância da infantilidade própria do ser masculino, não parecia tão irrelevante quanto sugerem as tatuagens deixadas no corpo do rapaz. O aspirante a engenheiro havia presenciado por vezes a variação de humor de Sônia, Nada mais natural para uma mulher! Sua opinião sobre as mulheres era digna das opiniões dos senhores de engenho. O desdém dele para com ela não se assemelhava exatamente com o que se beira ao agradável, isso se supondo que haja desdém agradável, Sônia sabia mascarar seu verdadeiro sentimento com o lugar comum das alterações de humor atreladas às instabilidades hormonais femininas, em favor de seu ímpeto sexual próprio dos trinta anos.

Em seu estúdio de tatuagem Sônia era muito solícita, para tal profissão são necessárias calma e espírito cômico, o que ela tinha de sobra quando o espaço da sobra não estava ocupado. Costumava fazer os mais diversos desenhos, de dragões a lagartixas, de borboletas a sinistras caveiras, sugeria o que se era de sugerir e se calava quando sua opinião profissional contrastava com a convicção do cliente, nada muito diferente de seus relacionamentos afetivos, aliás, não fazia muita distinção entre o campo profissional e o pessoal, o que sentia, sentia em qualquer lugar, o que mudava era a situação e o que chegava aos limites do suportável e insuportável.

Às facadas se seguiram belos desenhos, verdadeiras obras de arte, tatuagens sugerindo pecaminosas construções palacianas, caveiras ao lado de índios, tubarões e azaléias, pinturas de flores feitas com sangue na parede da cozinha. Ao que indicam os laudos a assassina ficara retalhando a vítima com seus desenhos por pelo menos um mês, tempo estimado por tatuadores profissionais para que se cubra um corpo médio masculino sem que haja um espaço de pele à mostra. O caso entrou para os anais da psicocrminalística, virou referência de estudo, tornando-se um clássico mais tarde, para faculdades de direito, psicologia e medicina com especialização em psiquiatria, nos cursos para cabo e sargento PM o caso era citado com freqüência, no exército os recrutas já sabiam do caso na fila de alistamento. Oscilações de humor são inexplicáveis aos olhos humanos, muitos deixaram isso para a religião que além de explicar conforta o que não se entende. Sônia, após seu linchamento público, ficou na memória social como verdade ou lenda, algo incerto como sua derradeira atitude.

Tema 13 - Humor

O humor de mau humor.


Amanheceu mais um dia de primavera.
O palhaço desperta de seu sono conturbado.
Levanta para o lado errado..
Pé esquerdo no chão.
Putz! E agora....
Dedinho no pé da cama!
Ai! Vápapu.... fidapu...
Calma...
Nada pode estar tão ruim que
Não possa ser piorado...
Abre um sorriso,
Pensa na flor que joga água...
Essa geladeira está
fedendo...
AH!!!!
O leite estragou!
Calma...
Toma um café e abre um sorriso...
Pãozinho quente com manteiga...
AH!!!! Minha bochecha!
Ai caramba...
Hoje não é o dia do palhaço...

Olha a mulher barbada lá.
-Bom dia palhaço!
-Só se for para você!
-Xiiii, ta de mau humor... Senta aí, pega um copo...

Uma, duas, três caixas de cerveja depois...
O humor de bom humor...

Tema 12 - Ditos populares

Trovão e a linguiça

Outro dia o Felipão deu uma entrevista e falou sobre o tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça...

Bons tempos... Na época do guaraná com rolha...

Maldito guaraná com rolha, sempre perdia o gás, ou a rolha saía voando antes da hora.

Quebrei alguns lustres por conta disso...

Mas o pior mesmo era quando quebrava uma janela, aí minha velha avó sempre dizia: “cuidado com o golpe de ar!”, seguido de um “ai se pega na vista....”

Vovó sempre foi uma mulher de sabedoria, não é que um dia a rolha acertou o olho do tio Aníbal!

Coitado... desde então ele fica com um olho no peixe e outro no gato...

Mas voltando ao cachorro e a lingüiça, nunca entendi direito essa história, porque era juntar a fome com vontade de comer! Todas as vezes que tentei amarrar o Trovão, meu amado Dachshund, com uma lingüiça, ele adorou! Acabava comendo a dita cuja em 2 minutos... e depois se deitava e dormia sob o sol deliciado...

Acho que essa era a intenção...

Porque o Trovão era um salsicha que se achava pastor alemão, encrencava com tudo e todos, mas como cão que ladra não morde, nunca fez mal a ninguém, pelo contrário, se alguém em casa estivesse doente, lá estava o Trovão ao lado do enfermo tomando conta.

Mas como nada é para sempre, um dia Trovão faleceu...

Fiquei muito triste no começo, mas sei que todos os cães merecem o céu, e hoje uso lingüiças para amarrar as salsichas na churrasqueira.

Tema 12 - Ditos populares



Quadro da Pureza Embriagada


O quadro se comprazia num caos incipiente, entre as artérias dilatadas e as cores inundadas de sua memória imaginativa de pouca repressão, quando da ingestão daquele estado de alteração psíquica fugaz, em planos anterior e posterior ao que a terra guarda a qualquer ser humano, animal ou mineral, ele cambaleava. De um carteado a outro, de uma rodada à outra, a saideira era sempre o início de um futuro de incerta finalidade. A Irresistível e incontrolável qualquer ação, o fazer se fazia pela simples inércia de um corpo cadente pouco celestial, era homem, e como homem digno de pecados e pecadores tomava sua sentença em qualquer copo que se lhe aparecia diante dos instintos olfativos ou dos verbetes inúteis dos filósofos taciturnos dos corredores arredios da noite da megalópole pouco ancestral. São Paulo era pra ele sua cidade e seu santo de cabeceira, o bar apenas a casa de um a amigo a ser visita num culto baqueano que bem poderia ser a Bach, todavia findos os copos sempre à benção era dada por Baco.

Às três da madrugada a vida ainda não era sarjeta, à mesa se serviam vários dos transeuntes que lhe pareciam aprazíveis, sinais eram emitidos fossem onde e de quem fossem, no carteado, no flerte, nos olhos azuis da morena ou nos castanhos de outrem, o mundo era aquela roda que tende a rodar, aquele sem fim de rumores que aos ouvidos soam como ruídos de um inferno cotidiano, como o barulho das buzinas ou o burburinho do centro velho, nesse horário costumava espairecer-se da agitação do boteco, dava uma volta, normalmente deparando-se com cães de rua a perambular por entre os sacos de lixo expostos à espera do recolhimento, adorava cães, sobretudo os que lhe davam alguma possibilidade agressiva, um chute, um soco, um cuspe, não importava, os cães representavam uma sublimação para sua alma pouco criativa, até a mordida do vira-latas, desde então, preferiu brincar com os mortos. Sua estadia no globo terrestre era assim, nada além de nada, e isso bastava para seus poucos sentimentos acerca das possibilidades futuras, ignorando o significado da palavra ambição. Dinheiro? Os copos eram o custo da vileza cotidiana, dava-se um jeito, ficar sem é que não ia!

O bar cerrou as portas já eram seis horas, nada de sol, o dia amanheceu nublado num frio que anunciava o princípio outonal, não sentira os efeitos do clima, o calor alcoólico lhe dava uma condição de ser superior, uma quentura pontiaguda a dilatar a rigidez muscular, suas narinas aumentariam dez por cento seus diâmetros, respirava bem, mas a sede lhe feria os órgãos internos, nem a mais bela mulher seria capaz de lhe abrir o apetite por carne ou por uma mágoa qualquer, um ser estático caminhando a esmo retrata o animal inferior ao que muitas vezes somos obrigados a ser e jamais assumir.

Consolidado o dia e o orvalho evaporado das folhas novas da cidade grande, não havia mais condição para caminhadas embriagadas, sob a marquise de um estabelecimento abandonado situado à Ladeira Porto Geral, deitou-se desfalecido tomando pouco cuidado, aquele mínimo elementar, difícil e possível, de ter-se consigo. Dormiu enquanto o movimento dos camelôs começava a perturbar àqueles desinformados da rotina metropolitana que andavam em busca de sossego, algum forasteiro interiorano ou provavelmente um gringo anônimo encantado com os desencantos tropicais terceiro-mundistas, normalmente um europeu exótico qualquer. Dormiu, e ninguém pudera dormir por ele, infelizmente, se possível fosse abdicaria do sono por mais um trago no gargalo.

Em trapos acordou por volta das dezoito, quando aquela muvuca humana faz questão de correr atrás dos trens e dos ônibus para que, já acomodados, quando o espaço físico do meio de locomoção permite o uso adequado dessa palavra no particípio, os transportes correriam por eles, digo correriam pelo simples fato de, a esse horário, aqueles que desejam retornar às suas moradas ficarem parados em busca de uma fenda na avenida ou numa rua indistinta para que o tráfego sê liberado, o que a essas alturas da evolução humana só ocorreria lá pelas tantas da madrugada. Acordou, mas nem tanto, seu café foi uma xícara, uma dessas de chá, leite ou café, sem luxo, porém funcional, o que a ela lhe dá razão de existir, contendo uma substância etílica qualquer, o suficiente para devolvê-lo ao estado de vigília da noite anterior, à pureza da embriaguez mal falada.

Subiu a ladeira num cambalear entre ele e o equilibrista de João Bosco, mas nesses famigerados anos 2000 o que se passa pelo rebolado popular já não se distingue em qualidade de outros tempos idos, nada de saudosismo, à época mal havia nascido nosso homem, mal largara a chupeta e os peitos maternos, dizem alguns na mídia que eram os tempos de chumbo, mas tanto fazia a alienação era a grande glória de seu legado terrestre. Esse dançar bêbado provocou a ira da guarda que sem ter muito trabalho, ao que os soldados supunham, lhe deitaram fugaz repressão, desnecessário aos cumpridores da lei, boa demonstração de pouco poderio aos passantes que não identificavam naquela figura torpe um dançarino, mesmo por que não o era. A cachaça lhe protegeu das pancadas da borracha, pouco sentiu dos vergões que lhe assolaram a pele, os camelôs recolhiam atabalhoadamente o que se dava pra recolher, corriam em direção a um ponto cego qualquer, a saber que não deveriam haver oficiais armados por lá, de lá muitos assistiram uns poucos guardas, três mais ou menos, protagonizando infame espetáculo bélico, onde para armas bastavam mãos e membros inferiores.

Ele caiu, caiu não, rolou, rolou ladeira abaixo, rolou bêbado ladeira abaixo, rolou por vontade alheia, por vontade social, coitadinho daquele pouco ser humano que rolava a ladeira, a resumir os sagazes comentários dos populares que presenciaram a ocorrência, como se diz no jargão policial. Entre vozes e vozes a entoarem exclamações uma se destacou, uma que nada tinha com o fato em si, Que goleada o Santos deu ontem na Portuguesa você viu, ao que respondera o interlocutor, Mas o time da Lusa não tem ninguém, só jogador em fim de carreira, tudo velho, empurrar bêbado da ladeira é fácil.



Rodrigo H.

Tema 11 - Todas as graças

O Crepúsculo Dourado

O silencioso vento ressoa em seus ouvidos, contra sua pele, um gélido vento de fim de tarde contrastando com o aroma de fogo e destruição que ele traz.
Em 2525, o jovem monge Yu Ti é tudo que existe entre a milenar dinastia da Cidade Dourada de Khun Lun e sua iminente destruição.
Ele se posiciona ameaçador e impassível por entre o caminho ornado de corpos e maquinas, desfalecidos em batalha, carregando consigo apenas seus punhos cerrados e eras de conhecimento e segredos que o favorecem em batalha frente às hordas invasoras.
Sua honra, implacável como sua determinação, é o que o difere dos seus oponentes. Ou pelo menos, assim é como ele acredita. Frente ao caminho do embate, não haverá escapatória, não haverá perdão. Tudo há de terminar esta noite, e Yu Ti, no âmago de seu coração sabe, seu caminho há de se findar naquela mesma noite. Junto com sua Cidade Dourada, seu corpo há de se juntar aos demais corpos no caminho do avanço irrefreável do destino.
Com as cinzas de sua cidade, perecerá uma pequena nação de homens deuses devotos à consagração de suas almas imortais, frente a implacável resolução de um império opressor, jovem se comparado à sua dinastia, onde delírios de expansão impõem sua cultura homogeneizada em mentes livres.
Yu Ti contempla seu destino ao ver as monumentais bases flutuantes, maquinas aladas e totens de guerra que remetem aos titãs da mitologia. Ele esboça um sorriso, pois sabe que sua morte será grandiosa, digna de sua história, digno de seus antepassados, mesmo que não haja mais ninguém que siga seu legado, mesmo que sua história nunca seja contada.
Ele se lembra de sua infância na Cidade Dourada, lembra-se de correr por entre os templos e sentir o vento no rosto ao saltar das Cachoeiras Suspensas. Ele sente novamente o calor dos braços de sua mãe, o reconfortando quando seu pai se tornou mais uma das lendas tombadas em guerra. Os toque dos lábios macios do primeiro beijo de seu primeiro e eterno amor. O nascimento de seu primogênito, a promessa orgulhosa de participar na criação de um herdeiro a continuar a jornada de seu povo.
Em meio à memória de todas as glórias viveu, Yu Ti percebe como essa jornada, embora milenar, parece acabar cedo demais. Ainda assim, seu sorriso se aumenta e se mistura as lágrimas que escorrem em seu rosto. Lágrimas que determinam seu agradecimento por uma vida repleta de graças, memórias e prazeres que nenhum poder no universo poderia apagar.
Frente à obliteração, Yu Ti e sua Cidade Dourada persistem. Sim, eles serão destruídos e desfeitos.
Suas almas porém, jamais serão domadas.

Tema 11 - Todas as graças

Um olhar pueril,
Sorriso infantil,
Palavras sinceras, sem
Pudor,
Sem medo das
Conseqüências.

Gestos, brincadeiras sem
Maldade.

Pureza.

Risos.

Todas as graças de uma
Criança.

Tema 11 - Todas as graças

SUBLEVAÇÃO
Todas as graças
Todos os rostos
Crenças e desgostos
À face clara
O asceta
Aceitação do mundo
Do cão
Do imundo
O baixo ventre
No centro de levitação
O humor como mal
O mau humor
A graça
A dança
A criança que nada acaba
Indefinível
Indefectível pujança
De horror
Dor
Dor de riso
Riso só
Sorriso
Apenas...
Assim o olho
E sua parte nua
Assim estão
Despedidos da verdade
Despidos de finalidade
Objeção abjeta
Da indiscrição objetiva
Da criação onírica
Presente de yang à Pandora
Da clarividência
Da santidade popular
Chafurdando em seus ofícios
Malefícios desgraçados
Instados à distância
À pocilga da irrelevância vital
De acordos
Curdos ou cristãos
Budas ou pagãos
Heras, Hades, Afrodites...
Afrosambas...
Oguns de bambas!
Do piegas pranto
Do canto ao resto
Da tristeza profunda
Da profundeza do gesto
Vem de graça
O que não se vende
O que se sente
É sentido
E o que poderia ter sido
Foi...
Foi-se enfim
Mal mantido
Numa permissão esquiva
Sustentada pelo pó da certeza
Da razão aos vieses
A verdade da destreza
Povoação do latente
Desejo de liberdade
A criação de uma graça
A evidência improvável
Da comprovação inanimável
De um vil transcendental
Oh Eros puro deus!
Há asperezas em sua gestação?
Um outro sentido
Um outro estado da matéria
Um estado de estrela
Um estado de lua
O Sol
Rei tropical
Estado marginal
Dissimulação universal
Terra inverossímil
Terra oposta a Galileu
Um Darwin mameluco
Cosmopolita
Na profusão egocêntrica
Duma realidade excêntrica
Entre o tântrico e o erótico
As obscenidades sexual e moral
A falta disso e de tudo
O que falta
É o que guia
O que faz sentido
O sem sentido
O caminho
O rastro que a humanidade deixa
Nada ensina
Nem carisma
Nem menina
A indiscrição
Do oco


Rodrigo H.