quarta-feira, 2 de março de 2011

Tema 23 - Pegação no trabalho


14:35 – Toca o telefone...


- Oi, saudades de vc...

- Eu tb... não vejo a hora de sairmos daqui.

- Calma... em 4 horas a gente sai e, aí, a noite é uma criança...

- Aiai... preciso agüentar até lá para vc me levar às estrelas?

- Precisa gatinha... precisa.


16:03 – Chega um sms.

- Não agüento mais... vou subir aí.


Eu ligo pra ela e sussurro.

- Não! Sossega que daqui a pouco te dou um sossega leoa.

- Hmmmm.... jura?

- Juro. E se vc se comportar, vou sugar toda sua energia...

- Ah.... mmmm...


17:12 – Ela chega na minha mesa.

-Não tem jeito, não agüento. Te quero agora!

- Vc enloqueceu???? Ta cheio de gente aqui!

-Tá, mas não me importo. Só quero te sentir... ser possuída por você.

- Daqui uma hora gente sai!

- Tá bom...


17:45 – Ela liga.

- Me encontra agora no banheiro de deficientes...

- Vc endoidou de vez?

- Sim... estou completamente alucinada por vc... Vem logo ou vou pegar o primeiro cara que passar aqui...

- Tô indo...


17:49 – Eu chego... Ela me joga para dentro do banheiro e num movimento só tranca a porta e abre a blusa...

A tensão e o medo de ser pego são enormes... o que nos deixa ainda mais excitados...

Tudo é rápido, silencioso e frenético.

Os hormônios vão às alturas, me sinto como um moleque de 15 anos...


18:05 - Chego na minha mesa, meio descabelado, meio amarrotado, mas ainda dá tempo de ligar para a secretária:

- Dona Matilde, a sra já enviou os memorandos que pedi?



Luciano

Tema 23 - Pegação no trabalho

Bolo e Café

Nada mais estranho que a animalidade humana. E nada mais humano...

Certa feita vi um cão, um cão e sua matilha, sua matilha e sua ninhada. Vi o que via em
qualquer esquina, vi o que via em qualquer família de hominídeos. Vi e continuaria vendo pro
resto da vida desde que almejasse que à vida um resto fosse guardado. Via e olhava ao redor.
Desci uma ladeira, o sol a pino me esquentava, fervia minhas espaldas, fui de camisa preta,
diria até no auge da minha alucinação de veraneio que era feita de um preto mais escuro
que os outros, quase uma frigideira de teflon, faltando só o ovo a ser estalado. Caminhei e
caminhei, até chegar à porta do meu escritório.

Meu escritório ficava à Rua Major Diogo, próximo ao minhocão. Muito trabalho
naquele dia chegara à minha mesa, e assim deveria ser, pois eu era o dono, o faxineiro, o
pedreiro, e o executivo mor, e o cara que colocava trabalho na merda da minha mesa naquela
espelunca. Espelunca não! Escritório! Respeito é bom! Essa vizinhança ainda me enlouquece!
Sempre resolvem chamar meu escritório de espelunca. Naquela semana de Janeiro resolvi
diversificar meus negócios, contratei mais free-lancers para atender à crescente demanda que
se revelava apesar da crise. Há coisas, como comer, que não há crise que diminua a demanda,
talvez a oferta, mas a demanda jamais! Aí era onde se inseria meu famigerado afazer.

Trrrrrriiiiimmmm (campainha). Sônia chegou.

- Bom dia Sônia, como está bonita. Porque não passa um lápis nos olhos pra ficar
perfeita?

- Perfeita eu! Quê isso Seu Carlos.

- O trabalho tem dessas coisas minha querida. Quem não almeja a perfeição?

- Assim você me deixa acanhada Seu Carlos.

- Enfim... Tenho trabalho pra você hoje. Quer?

- Rua Aurora 275. Procure por Silvio ou Silvia, são gêmeos. Não vá se confundir heim!

- O devo fazer? O de sempre? Qual dos dois devo privilegiar?

- Mas qual atendo primeiro Seu Carlos?

- Já disse que não faço isso! Gosto de ser valorizada pelo meu ofício, se sair algo err...

- Te pago o dobro - Interrompendo-a.

- Às 23. Leve seu espartilho pras coisas sairem perfeitas. E não se esqueça do lápis!

Saiu e foi se arrumar ainda mais, o espartilho negro combinava com a ocasião. Dois de
uma vez só! Não vou agüentar. Apesar de que uma é mulher, assim poderei penetrá-la com
mais facilidade, normalmente nós mulheres relutamos menos, a fragilidade do corpo nos fez
assim. E de mais a mais estamos mais acostumadas com as dores misturadas ao prazer. Os
gêmeos só ficariam em casa até as 23h15min, era aniversário deles e comemorariam num
boteco no Arouche, caso Sônia não chegasse a tempo o trabalho que teve para pintar os olhos
seria em vão.

Chegou às 23:07, Silvio já estava quase pronto e Silvia colocando a calcinha nova para
a ocasião, provavelmente Diógenes estaria à sua espera no boteco para comemorarem juntos.
Sônia não teve trabalho para arrombar a porta, pois estava aberta. Ao fundo, perto da janela,
Silvio se perfumava, saindo de um quarto à direita Silvia com um pé descalço e o outro a ser
calçado por um sapato roxo de 10 cm de salto precipitou sua presença. Abriu a blusa e o corpo
que habitava aquele espartilho de azeviche somado à estupefação do ato fez de Silvio um ser
inerte, frágil e a primeira vítima. Do seio esquerdo Sônia sacou uma faca afiada, tipo Rambo,
e atacou a uma distância de 5 metros, atingindo o centro da testa, entre os olhos, o 3º olho,
a consciência hindu, Silvio caiu inconsciente. Silvia tentou a fuga, mas Sônia a atingiu com um
golpe de punhal no baço que sacara do outro seio. Silvia foi poupada por alguns instantes,
Sônia deliciava-se com a resistência da dor feminina, mas estava a trabalho e regozijava-se de
seu profissionalismo. Deixou-a ao solo a gemer enquanto retocava a maquilagem no espelho
do banheiro, o lápis estava decomposto, Odeio lápis! Retornou e com um tiro no meio da testa
finalizou com o pouco de vida que restava em Silvia, Silvio moribundo morreria com o tempo.
Bateu a porta ao fundo e despediu-se deixando um pedaço de bolo de laranja e uma jarra de
café no criado-mudo.

- Tome o envelope, deposite na conta do Rio e vá pra Copacabana na terça, lá estará
Sérgio, um outro cliente. Esse é grã-fino, portanto capriche no lápis.

- Puta que pariu Seu Carlos! Detesto lápis!

- Pode me chamar de Carlos Sônia.

- Eu num gosto desse troço no meu olho... Carlos!

- Então não precisa, basta o espartilho, aquele que te dei, não o preto.

Deitaram-se à mesa do escritório, o único lugar não úmido do local. Do espartilho
Sônia sacou dois lindos seios a refletirem a luz fosforescente que deixava a conta mais barata
e se rasgaram as outras peças de roupa. No dia seguinte não se viu Carlos chegar ao escritório,
pois não havia saído. À mesa seca um bolo inteiro de laranja e uma jarra de café mataram a
fome dos investigadores.


Rodrigo Romera

Tema 23 - Pegação no trabalho

PEGAÇÃO NO TRABALHO

Primeira segunda-feira do horário de verão, esqueci de adiantar o despertador, acordei com uma hora de atraso.

Correria total! Café da manhã? Nem em sonho!

E trânsito, muito trânsito... E calor, muito calor...

Cheguei ao trabalho, elevador quebrado. Ok, estou precisando mesmo de exercícios (sete andares de escada).

Entrei na minha sala, aleluia!

Em cima da minha mesa um recado: “Já são 10h, onde você está? Me entregue um relatório dos nossos projetos em andamento até a hora do almoço. Ass: Miranda (chefe ‘boazinha’)”.

Como assim? Socorro!!!

Ligo o computador voando para pegar todos os dados do relatório e, de repente, uma mensagem curta e grossa aparece no monitor: “Devido a problemas na tabela de partição do HD seus
arquivos não podem ser acessados”.

Reação: cólica, piriri, choro...

Cinco minutos depois: ligação desesperada para o STI.

UFA! Eles vão me mandar um técnico...

10 minutos e nada.

15 minutos e nada.

20 minutos e nada.

25 minutos depois, surge alguém na porta.

Fui levantando o olhar devagar, nossa ele é alto, hum ele é negro, meu Deus que homem é esse???

Ele era uma mistura de Seu Jorge, Tony Garrido e os jogadores da NBA (os melhores deles). Lindo, lindo, lindo!!!

De repente a minha sorte começou a mudar...

Ele disse:

- Carolina.

- Sim.

- Sou o PAUlo, técnico de informática, foi a senhora que abriu um chamado?

- Sim.

Para qualquer outra pessoa eu teria dito que senhora é a vó, mas para o PAUlo eu só conseguia dizer sim, sim, sim...

Ele se sentou na frente do computador e em cinco minutos ele resolveu o problema, já se levantando, ele começou a me explicar o que tinha acontecido com o computador.

Mas eu não conseguia prestar atenção em nada, só ficava imaginando aquela voz grave falando coisas ao meu ouvido (poderia até sobre informática, nem me importaria...). Imaginava aquela
barba por fazer arranhando a minha nuca, aquelas mãos enormes apertando a minha bunda. E não agüentei, tive que perguntar:

- Você pode ficar mais um pouquinho?

Foi a vez de ele responder: SIM.

Não pensei duas vezes, tranquei a porta da sala e empurrei o PAUlo contra a parede.

Nos beijamos com tanta força que até perdi o fôlego. Que pegada era aquela?

Fui descendo as minhas mãos, arranhando as costas dele. Cheguei na bunda, hum era bem durinha e grande, já imaginei a potência do impulso daquela bunda!

Abri a calça jeans dele e, claro, o pau do PAUlo era o maior, mais grosso e mais duro que eu já tinha visto. Caí de boca!

Depois foi ele que me jogou na mesa, abaixou a minha blusa e beijou meus seios dando mordidinhas que me arrepiavam inteira, então levantou a minha saia e me chupou de um jeito muito bom. A melhor chupada da vida!

Quando eu já estava delirando de prazer ele me colocou em pé, de costas para ele, apoiada na mesa e UOU! Achei que fosse sair pela garganta, mas não. Foi bom, muito bom!

Nós dois gozamos juntos, que espetáculo!!!

Então ele saiu, levantou a calça e eu lembrei do relatório.

- PAUlo, muito obrigada, muito obrigada mesmo!

Ele disse que era para eu chamá-lo sempre que precisasse (claro que eu vou precisar) e se foi.

Fiz o relatório ainda ofegante, no mesmo ritmo do sexo. E quer saber? Ficou perfeito e pronto antes da hora! Deu até para almoçar, que luxo...

O mais engraçado é que pelo resto do dia a música que não saía da minha cabeça era o hino do São PAUlo:

“Tu és forte, tu és grande

Dentre os grandes és o primeiro”

(...)

“De São PAUlo tens o nome

Que ostentas dignamente”

(...)

“Tuas cores gloriosas

Despertam amor febril”...


Carol

Tema 22 - Amorfo

AMORFO

Ele saiu pela porta e eu me deparei comigo mesma. Sozinha. Amorfa. Sem forma definida. Sem vivacidade. Sem energia. Inativa. Disforme (de tanto chorar). Apática.

Num estado que beirava o horrendo, monstruoso.

Olhei no espelho e pensei: “Quem é essa pessoa?” “Qual a sua identidade?” “Do que ela gosta?” “Do que não gosta?” “O que ela quer para ela?”.

E a única resposta que me vinha para todas essas perguntas era: “Não sei.”.

Então tentei achar a causa dessa amorfidade que tomava conta de mim: “Quando foi que eu me esqueci de mim?” “Quando foi que eu passei a me importar mais com os outros do que comigo
mesma?” “Quando eu deixei de viver a minha vida para viver a vida do outro?” “Quando foi que eu me entreguei sem pensar?”.

Resposta: “Não sei”.

Sem ter por onde começar, sem achar um ponto de partida, decidi que a estratégia era passar para a ação com o simples e único objetivo de renascer, me descobrir, saber quem eu sou, o que quero para mim.

Deixar de ser amorfa!

E, principalmente, não deixar que ninguém faça isso comigo de novo!


Carol

Tema 22 - Amorfo

Amorfo


Imune às variações

externas.


Se encaixar?

Não...

Nada de assumir formas,

padrões pré-definidos.


Isso é para os fracos.


Aos fortes ficam

a beleza do

não pertencer.


A simplicidade complexa do

ser.


Só,

ser.




Luciano

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Tema 21 - Morte

Nace una flor un día
y a la misma hora muere un amor”
Fito Paéz


E com a mesma velocidade que surgiram, cada uma das sensações se esvaía conforme as palavras proferidas chegavam aos seus ouvidos.


Não sabia se era a frieza no tom da voz, ou a dureza com a qual cada sentença foi meticulosamente escolhida, ensaiada, lapidada para ferir e não sobrar mais esperanças.


Cada boa lembrança que voltava a sua mente era dinamitada por ações, discursos (ou a falta de ambos), ou qualquer outro motivo que pudesse ser usado como arma nesta batalha de egos chamada relação humana.


No fundo, ainda atordoado com a velocidade e a precisão de cada golpe (será que ela foi treinada pelo Steven Seagal também?), se perguntava se tudo isso era realmente necessário, um “Me desculpe, mas não gosto mais de você” não resolveria?


Provavelmente não, sempre haveria a esperança.


Esperança essa, que tratou de ser aniquilada, para seu próprio bem, ele concluiria depois, mas ainda era cedo para entender...


Dale tiempo al tiempo, diria Rodolfo Paéz, mas a morte não permite esse tempo... não na cabeça dele.


Mas não importava, o que ele pensava não importava, nem para ele mesmo.


Só restava o sepultamento e o luto por cada sensação...


Luciano

Tema 21 - Morte

Morte Querida,

Nós duas sabemos muito bem que mais cedo ou mais tarde você vai chegar. Mas, sinceramente, eu não tenho medo de você!

É claro que eu penso em você, em como você vai chegar e se eu pudesse escolher, preferiria que você fosse rápida e que viesse na hora certa, (entende-se por hora certa o período entre os 70 e 80 anos, ok?).

Uma amiga budista me disse que o ideal é toda noite antes de dormir imaginar sua chegada de um jeito, uma noite você chega me enforcando, na outra me afogando e assim por diante que é para eu me acostumar c você.

Acho melhor imaginar sua chegada para as pessoas que eu amo e não para mim, já que eu sofro demais quando você leva alguém que eu gosto.

Nunca vou esquecer quando você levou embora minha melhor amiga. Morte estúpida!

Você é tão inconveniente, intolerante e egoísta! Ou será que a egoísta sou eu? Você me lembra toda hora do quanto eu sou mimada e insignificante...

Até quando você me aparece de forma simbólica, quando alguém resolve deixar de existir para mim... O vazio que você deixa é tão cruel!

Pelo amor de Deus, seja mais sensata, haja com o mínimo de bom senso!

E para acabar com essa nossa conversinha fúnebre, eu só te peço um favor, da próxima vez que aparecer seja discreta!

Sem mais.

Carol

Tema 21 - Morte

Nascimento e morte

“Morrer deve ser tão frio como na hora do parto/ O melhor lugar do mundo é aqui e
agora” (Gilberto Gil).

Dizem que a esperança e o otimismo são para fracos, tal qual a compaixão para Nietzsche, no que sempre concordei. Quem morre, morre. Morrer, verbo intransitivo.
Pensando nisso e nas bobagens da rotina da vida, à luz da canção de Gil, fui para os braços de Morpheus. A noite não passava, o sono teimava em não chegar e a vida persistia em permanecer viva. Sempre pensei em suicídio, mas não me tomem por covarde ou herói, meu pensamento é fruto de reles curiosidade científica acerca do devir da morte. Talvez para religiosos de qualquer estirpe matar-se deve ser mais fácil e acolhedor, o que justificaria tamanha ojeriza pelo ato, a coisa em si ofusca. Acho por isso pensei em me matar, influenciado por Immanuel e sua tamanha subjetividade para esclarecer o que seria “a coisa em si”. Nunca entendi a questão, nunca me souberam ou a outrem explicar. Dizem que sabem, mas acredito que a teoria está longe do palpável, ou seja, a essência não deve estar aqui, daí a idéia de suicídio.

Matar-se é simples, Hollywood já demonstrou inúmeras vezes como fazê-lo, mas e morrer? O medo da dor supera a curiosidade?, o medo do fim, supera a experiência? De modo que repensei a morte e vi que o problema está no medo, o medo do findar. Pensei em pensar em Deus... quanta bobagem... é melhor dormir.

Acordei às dez e pouco com o cheiro do café, era domingo e o martírio da lida ficou esquecido no labirinto do inconsciente. O cheiro era bom, o café também, mas eu andava atordoado com as questões da madrugada. Tomei o café até o fim, comi biscoitos água e sal com margarina. Estava só no meu canto, nada de amigos ou mulheres a me visitarem nas últimas semana, meu violão calara-se desde a morte de meu cão... Ah morte... Conceito biológico, conceito filosófico, “conceito” religioso... Fiquei assistindo bobagens pela tela da TV e sempre a morte aparecia em minha frente. Mortes duras, escandalosas, serenas, apaixonadas, a morte do amor... Morrer para o amor é se matar vivendo.

Liguei para Beth (se escrevia com H, pois seu nome era Elisabeth como o da rainha) e ela não estava, no meu coração havia morrido há tempos, mas liguei para Beth para me sentir vivo, afinal uma boa transa não mata ninguém e ainda faz suar. Mas ela não estava. No ápice da minha debilidade mental vesti minhas calças jeans e minhas sandálias havaianas para procurar abrigo fora de casa. O vazio das canções sertanejas se apoderou de mim, uma coisa horrível, uma náusea sem sentido, uma coisa pela coisa... Passou, era apenas o “videokê” de um boteco. Ufa! Por um instante pensei que morreria! É não quero morrer. Resolvi continuar a caminhada e deixando que só a morte me separe do amor que renasce em mim a cada boa canção que deixe de falar de amor, ou que fale dele pensando no quanto é boa uma metáfora. Deixe a vida correr com toda sua turvação, não quero o riso dos tolos, tampouco o acolhimento dos religiosos, dê-me a dor com toda sua clareza e perfeição de inerentes! Deixe-me cá com meu desaforo, pois desaforado estou e desse combustível só me mata o que é humano. A ironia é que o mesmo que mata faz viver. Ultimamente ando pensado demais nas contradições... Ah como são boas as canções!

Rodrigo

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Tema 20 - Encontros e desencontros

Timing...

Sincronismo de chances, momentos, disponibilidade, percepção...

Os olhares que se cruzam, o desejo que aflora...

- Te quero... Mas não...

Agora não...

Tempo, espera.

- Esperar?

Já esperei demais.

- Dê tempo ao tempo. Me espere...

- Por quanto tempo?

Quantos suspiros?

Quantas noites mal dormidas, na expectativa?

- O necessário...

- Não posso prometer isso...

Eu quero,

eu esperaria... Mas

não posso.

- Por que?

Nós, juntos, não é motivo?

- é... mas a espera é torturante,

angustiante e

a vida, precisa seguir.


O silêncio... é o único som que se ouve...


A primeira lágrima

escorre.


O primeiro soluço...


O abraço ardente...


- E se... quando eu puder, você não possa mais?

-Teremos que viver com isso...

Por algum motivo,

nossos encontros, sempre são

desencontros...





Luciano

Tema 20 - Encontros e desencontros

Encontros e Desencontros

Como saber se um encontro é “O Encontro” ou se não passa de
um tremendo desencontro?

Poderia estar um encontro causando o desencontro de outros
encontros melhores?

E quando encontros físicos acontecem com um certo
desencontro de ideias? E encontros de ideias que nunca chegam a um
encontro físico?

Será o destino responsável por todos os nossos encontros
e desencontros? Ou são as nossas escolhas que escolhem alguns
encontros e automaticamente excluem muitos outros?

Teriam todos os encontros prazos de validade por certo período
até se tornarem desencontros?

Poderiam alguns desencontros fazer pessoas se encontrarem do
nada?

E como explicar o encontro de duas pessoas, já encontradas
por outras pessoas, numa cidade famosa pelo desencontro de
interesses, se tornar o “Grande Encontro”? E se essas pessoas se
desencontrarem das que eram encontradas antes de se conhecerem
e mesmo assim outros desencontros fazem com que elas só se
encontrem ocasionalmente... Em encontros clandestinos... Tem que
ter explicação?



Carol

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Tributo a Michael Jackson

-Who’s bad?

Foi assim q tudo começou...

Era uma noite fria nos guetos de New York, eu já estava bem louco e nem reparei no negão q estava no caminho.

Não deu outra... dei um belo encontrão e minha bebida escorria pelo casaco dele.

Ele virou para mim olhando com aquela cara de Jacko no clipe de Thriller, sabe aquela hora q os mortos vivos ficam em volta dele e da menina? Então... foi quase igual.

Eu só falei um “my bad”, e foi aí q veio:

-Who’s bad?

Eu travei. Só pensava em quanto eu ia apanhar e respondi: “you, you are very bad mister”

_ Yeah, I’m really bad bitch!

E foi quando toda a negada q estava em volta começou a dançar.

WTF???? Eu pensei, com assim, eu derrubo bebida no cara, falo q ele é um badass módafocker e ele começa a dançar???? Eita kugarzinho estranho, se fosse nas quebradas da zona sul de Sampa, eu já estava comendo grama pela raiz, meu.

Mas como diria Petterson Foca, no Chile, faça como os chilenses, comecei a dançar Tb... fiz a sensacional dança do samurai erótico, dança da minhoca ensandecida e todas as variações de put your hands up in the air. E virou uma batalha de dança.

Aí... todos começaram a fazer o Moonwalk, justo o único passo q eu nunca consegui repetir com maestria.

Moonwalk pra cá, moonwalk pra lá… decidi usar a arma secreta, e na velocidade 5!

Crcrcrcrcrcrcrcrcrcrcrcrcrcrcrcrcrcrcrééééééééééééééééééééééééééééu.

Rapá! Todo mundo parou.

Engoli a seco... pensei “f o d e u!”

Que nada! Todos começaram a fazer o creu na velocidade 72 aplicando um moonwalk no meio!

Dali fomos pro bar todos juntos cantando: “Heal the world, make it a better place, for you and for me and all the fruit women!”

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Tema 19 - Pernas

O toque das coxas,

O movimento ritmado,

Nós articulados.


Pegadas firmes

Mordidas,

Toques.


Abertas,

Dobradas...


Entrelaçadas...

Suadas...

Trêmulas...

Satisfeitas.

Tema 19 - Pernas

Leitura de revista





Um furo! Um inocente furo me fez reparar. Sentado à espera da consulta lendo uma porcaria qualquer dessas que há em qualquer consultório de um médico qualquer, aguardava à hora da chamada para adentrar à sala do dentista, nela seria decidido meu futuro, o futuro de toda uma geração de arcada e obturações, falava-se até em cirurgia!, anestesista, bisturi e outras coisas nauseabundas que dão outras coisas incômodas nos sentidos de qualquer um, eu que sempre pensei que a broca seria o portal para o inferno descobri que a fechadura estava ao lado da mesa da secretária. A capainha tocou, provavelmente mais um infeliz que tenha de colocar aparelho nos dentes ou um pior que esteja como eu. Existiria alguém pior que eu naquele e dia? Obviamente não.

Era uma mulher, os passos, a onomatopéia dos saltos ecoaram pelo corredor.

- Olá tudo bem Dona Sônia?

- Bom dia Virgínia como vai?

- Com medo da broca.

Os risos soaram falsos como as saudações de desejos de bom grado, Sônia passou e se sentou para ver a agenda do doutor Alcides, eu com os olhos nem tão fixos numa revista de futilidades, levantei-os sobre os óculos e a vi da cintura pra baixo. Minha timidez não me permitiu qualquer contato visual com Vigínia. Ah Virgínia! Era um belo vestido aquele dela, belo e curto, pegava à metade de sua coxa, suas pernas eram perfeitas, quase um flamingo, e antes que se comente coisas negativas acerca dessas belas aves peço que antes visitem uma reserva onde elas estejam em seu estado natural. Assim era ela, natural naqueles saltos, as meias transparentes alçavam a lisura de seus joelhos e a nitidez das panturrilhas bem feitas como a dona, nunca conheci pernas iguais, quase um manga larga. Sentou-se diante de mim para a alegria e constrangimento de meus olhos que “liam” interessadamente aquela revista. Cruzou as pernas, porque elas fazem isso? Isso de cruzar as pernas é quase mortal, é quimera para homens que nunca sonharam, pra quê cruzar as pernas! Sobretudo quando se estão elas dentro de tão lindas meias e tão bem formadas pelo tempo.

A julgar pelos joelhos devia ter mais que trinta anos. Eu torci para que ela não pegasse revista alguma, no começo foi bom, ficou a ouvir alguma música alta que saía de seu Mp 3 player, provavelmente um desses resquícios roqueiros dos anos 80, uma dessas caretices que enganam pela roupagem de modernidade. Desligou o aparelho e pra minha tristeza sacou de uma revista feminina. O que será que pensava? Será que me olhava também? Não que é isso... Logo eu! Um cinquentão desquitado com medo de anestesia!!! Não jamais me olharia senão para perguntar as horas, mas como as pulseiras dos relógios me dão alergia... Bem que mamãe poderia ter insistido mais com papai para me levar ao alergologista, mas ele achou que isso não interferiria na minha vida, em sua época os casamentos eram arranjados. Sempre achei que os relógios valiam mais que o tempo que nele consultávamos.

Permaneceu a ler sua revista, a essa altura suas pernas me hipnotizavam de tal forma que possivelmente eu já deveria ter dado na cara, não mais me lembrava do que me esperava na cadeira do doutor Alcides. Devia ser fútil, só gente fútil lê revista de fofoca em consultório dentário, com essas pernas só podia ser fútil. Provavelmente freqüenta baile funk sem calcinha, arrebitando o rabo pra todo mundo ver o que a roupa esconde. Não... Com essas pernas não. Era atleta! Isso sim! Atleta! Uma tenista! Talvez como aquela russa campeã de Wimbledon. É possível...

- Dona Virgínia pode entrar.

Levantou-se deixando cair a revista de volta ao cesto. Uma após a outra se entrelaçaram até chegar à porta que dava à sala de exames. Parou, exitou. Acho que ela olhou pra trás, mas eu só olhava para baixo.







Tema 17 - Futebol



A coleção





Bem que meu pai tentou, mas não deu, não vi Pelé e Coutinho jogarem, meu coração nasceu bruto como o sertão da Paraíba, minha categoria já era de vira-lata. Meu irmão mais velho vira, mas parece que não gostou muito do comodismo de ver um único time ser campeão de tudo. Certa vez jogando futebol de botão eu estava com o time do Grêmio de Porto Alegre, àquela época os jogadores do sul já tinham fama pela raça aplicada em campo, escolhi o Grêmio por isso e pelo medo de ver meu time perder. Meu time era e sempre foi o glorioso Corinthians, como eu era muito ruim na arte do jogo de botão preferi outro time, mas apesar de toda a raça aplicada pelo lateral Alfinete eu perdi de meu irmão. Tenho certeza que ele me roubou, já que era mais velho que eu e meus socos jamais o feririam. Perdi. E segui perdendo. Até que um dia briguei para ser o Corinthians à época meu ídolo era o Doutor, o cara jogava mais com o calcanhar que com a chapa do pé, certa vez ele disse na TV que fazia isso porque não sabia jogar, aí se virava de costas para poupar seus olhos da vergonha de um passe errado. Falsa modéstia, o cara acertava todas, por isso Telê o levou pra copa do México, Ah aquele pênalti do Zico! Modéstia que seu irmão no futuro não herdaria jogando por um time pouco modesto criado às barbas da burguesia cafeeira paulistana. Não adiantou muito eu jogar com o Timão, apesar de Sócrates, Zenom, Casagrande, Wladimir e Cia. a democracia perderia para a experiência do Grêmio, dessa vez comandado por meu irmão.

Não joguei mais, nunca mais! Ele me chamava pra jogar, mas eu não ia. Quem mandou ele ganhar do Corinthians? Afinal ele não ganhara de mim, ganhara do Timão, tinha que deixar a bola entrar pelo menos por um empate, nem parecia que era corintiano como eu, aliás eu que era como ele, meu pai querendo que eu fosse santista sem ver o Pelé e meu irmão que eu fosse corintiano vendo o Sócrates, é claro que eu deixaria o alvinegro praiano para os peixes e ficaria pelas bandas do parque São Jorge.

Nos anos 90 vi o maestro gordo Neto jogar, vi como ele bateu uma falta indefensável da intermediária contra o gol do pobre Santa Cruz num Pacaembu lotado em dia de frio. O resultado foi 3 x 1 e o Coringão seguia firme em busca do nosso primeiro campeonato nacional. A década de 90 viu também um carioca virar rei pelos lados do Tatuapé, ele fez com que eu voltasse a jogar botão, mas dessa vez ganhando de meu irmão. Fiz coleção de jogos de botão, achei até o América de MG vejam vocês! Uma coleção ímpar que obviamente deixou o Palestra Itália de fora, pois ninguém jogaria com o arqui-rival, e se jogasse claro deixaria a bola passar, tomaria alguns frangos e etc.



Minha coleção durou até o ano de 2006, quando da derrota para o River Plate em plenas luzes do Pacaembu pela taça Libertadores da América. No dia seguinte joguei a coleção toda de cima da ponte da Casa Verde deixando-a navegando sobre as águas do Tietê, era uma promessa que tinha feito à Virgem, pois ela me traiu, perdemos a libertadores, perdi minha coleção, o Timão perdeu e minha fé foi junto com a coleção, pelas águas bostadas do Tietê.

Tema 17 - Futebol

Crônica de um beque de fazenda



E de repente a bola veio para mim...

Foi meio inesperado, pois, confesso não ser um artista da bola, pelo menos não da redonda, mas mesmo assim, ela veio parar em meus pés.

Sempre fui conhecido mais por minhas enchadadas que pelos meus dribles, esses eram do estilo cometa Halley, aconteciam uma vez a cada 72 anos...

Isso tornava ainda mais incrível alguém tê-la passado a mim.

Estava sol no campo, eu já tinha tirado dois da partida com entradas viris que aprendi vendo Escudero jogar, meu uniforme, que era branco, se encontrava com uma cor entre o marrom e o vermelho sangue. E a bola veio para mim.

Senti um calafrio, um medo de fazer besteira. Pensei comigo mesmo: “faça o arroz com feijão, isola essa bola!”. Mas eu não podia, por mais que a torcida delirasse com meus chutões, eu estava mudado, tinha assistido a uma reprise de um jogo do Corinthians e vi Gamarra jogar... Classe, pura classe...

Decidi então parar com os chutes para cima e resolvi levantar a cabeça, olha o posicionamento de meus companheiros, pensar.

Eu realmente devia ter feito o feijão com arroz...

Mas não, parei, fiz pose de Bobby Moore, escolhi o predestinado que receberia meu lançamento, me preparei para aparecer na foto...

Prendi a respiração...

Chutei.

.

.

.

Perdi o equilíbrio, espanei a bola e caí no chão.

O atacante adversário pegou a gorduchinha, driblou o goleiro e marcou...

Que vergonha...

Eu realmente devia ter feito o feijão com arroz.

Tema 16 - Liberdade



Um segundo





Só mais um copo por favor, Tomou a derradeira e partiu do bar do velho Matias, perambulou pela cidade em busca de alguma resposta que não havia encontrado nem em livros, tampouco em amigos, e a cidade também lhe deixou com sua ausência. Carlos tinha apenas vinte sete, vinte sete e nada de a vida acontecer da forma como sonhara que aconteceria aos vinte sete quando dos seus quinze anos. Frustrou-se cedo demais, achava a liberdade algo palpável como a carne ou uma roupa qualquer que se escolhe em dia de inverno, um vazio criado pela razão e apoderado de seu corpo interno, fez da busca pela reposta um desespero. ]

O relógio do mosteiro de São Bento sinalizava dezessete horas em São Paulo, verão intenso somado à estufa de um asfalto perturbador fazia abafar a capital, o tempo fechou, o negrume das nuvens obrigou alguns automóveis a acenderem os faróis outros a desviarem o caminho, ao sentir as primeiras gotas da tempestade tocarem seu braço Carlos parou e olhou ao céu, não gostou do que viu, cerrou os olhos, às vezes é melhor deixar de ver para gostar, ao seu redor uma correria generalizada, alguns guardas-chuva circulavam nas mãos de quem fugia do temporal, outros voavam com o dono molhado tentando recuperar aquele bem tão valioso que não custava mais que dez reais no camelô. Chorou. Chorou porque ninguém o perceberia chorando e uma sensação de bem estar descompromissado com a realidade estancada lhe envolveu, as lágrimas e a chuva seriam a mesma coisa, era tudo água e fuga, e chorando caminhou, esbarrar-se-ia naquele tumulto diluvial entre transeuntes e passantes que mais pareciam passistas de um samba desgovernado, um banho público sem nudez de vestimenta.

Chegou ao Vale do Anhangabaú quando a chuva já se desviara para outro destino, apenas vestígios de sua passagem havia pelas ruas, poças sujas de uma cidade não muito limpa mergulhavam na paisagem de um crepúsculo mal expresso. De cima do viaduto do chá cuspiu, Demorou viu! Disse a um jogador de búzios que fazia seu trabalho, Os búzios nunca mentem rapaz, volte ao seu emprego, Não posso, aquele lugar me sufocava, e agora que já pedi demissão não volto atrás, meu orgulho é grande, quero me libertar das amarras desse sistema, São cinco reais o jogo, Carlos saiu correndo no meio do viaduto, não tinha dinheiro, não tinha nada. À Avenida São João parou ponderou e olhou envolta, de um lado a Igreja dos Homens Pretos no Largo do Paissandu de outro a Galeria do Rock, não gostava de nenhum dos dois, nem da igreja nem de roqueiros, desceu a São João de volta ao Anhangabaú. Estava livre, sem trabalho, sem família, sem dinheiro, livre de qualquer dignidade e agora livre de seus sapatos molhados pela chuva.

Descalço adentrou ao edifício do Banespa, a segurança não o viu passar era discreto apesar do fedor pós-chuva que exalava como um cão, preferiu a escada ao elevador, a cada passo, a cada degrau que subia olhava para o que ficou e o que deixaria de ficar, minimizou sua pequenez universal sentindo-se grande diante dos lances que passava por cima, não queria pensar no passado sua vida estava em plena elevação tardia, mas elevação, logo teria a cidade aos seus pés, do mirante vê-se o que a liberdade pensaria em representar caso não houvesse outros e maiores mirantes, nesse e em outros universos.

Sucumbiu no décimo andar da Torre, pôs-se aos pés do sono. Ninguém o percebeu por ali, as escadas só eram usadas em caso de queda de energia ou incêndio, como nem um, nem outro aconteceram naquele noite, ele dormiu em paz. Apesar do sono tranqüilo acordou dolorido pelo mau jeito com que dormira por entre os degraus. Levantou-se e com fome continuou sua saga rumo ao topo da cidade, após algumas horas chegou ao mirante onde muitos turistas e compatriotas observavam de lá o cinza suspenso que encanta e faz tossir. Todos aguardavam o poente, visitantes japoneses comentavam em inglês que certa vez um paulistano de passagem por Okinawa lhes dissera sobre a beleza controversa do pôr-do-sol de sua cidade natal. Para um homem em busca de liberdade a cena do crepúsculo pode ser seu exato oposto, ao contrário do que afirmou o campeão de pára-quedismo Jorge Souto em entrevista à TV.

Carlos experimentaria a liberdade quando muitos visitantes já deixavam o local, apenas os japoneses presenciaram a queda, daí a impossibilidade compreensiva de os seguranças atenderem aos seus chamados de socorro, um help com sotaque nipônico, um vôo breve e a liberdade eterna, preso ao martírio físico não sabia o que viria após chegar ao solo, a dúvida era a sua verdade, pensava quando um pombo sujo de urbanidade lhe passou por suas vistas alguns milésimos de segundos luz (ou menos), pensou no vôo que alçara instantes antes, e agora vislumbrava seu pouso como a um urubu a avistar as carcaças de peixes miúdos ignorados pelos pescadores. Antes de o seu corpo se estatelar-se ao chão vieram-lhe imagens de seus miolos, tripas, pâncreas e restos de carne e sangue num mosaico sinistro entre ossos quebrados e poças d’água de chuva suja. Não gostou do que viu, imaginou-se como a um resto de estrela desfalecida, Um pó! Bradou aos peitos cheios antes de o coração parar sua atividade mundana. Livrar-se da vida é dádiva para poucos.

Tema 15 - informação





Um Sítio Comum



Não se ouvia nada, nunca nada era ouvido. Era como se fosse um eco surdo, um mundo inteiro fora de seu mundo. O eterno vácuo de ser você para si mesmo. Uma ausência despercebida pela satisfação das necessidades inatas. Nada sabia, nada e nunca soube dantes, esquecia-se olhar para dentro, e para fora do vidro, que se via embaciado pelo orvalho da aurora, o mundo era grande, enorme, mas pouco interessante para o palato ou para a sensualidade. A aurora pouca de luz oferecia-lhe, a cama é um refúgio confortável e estável, o sonho de qualquer mortal para aquém de Sócrates, o ofício de sonhar resigna-se entre o que se passa na mente durante o repouso e a testemunha inanimada do colchão, para que a vigília faça seu papel de uma constante feliz beirando o abismo ignorante da falta.

Era um sítio largo, porém humilde, uma casa, uma área gramada, uma encosta e um abismo. De cima se via o que a cidade fazia de sua economia lá embaixo, a encosta limitava seu campo de visão para oeste, o que não era muito diferente para leste, onde estava a ribanceira, direção coberta por uma micro floresta, o suficiente para bloquear a área de atuação ocular tanto quanto a encosta o fazia, a exceção de alguns carros nada mais se via lá do alto, mas as árvores eram belas.

Vivia bem com suas culturas de hortaliças ao norte da casa e seu galinheiro à beira da encosta, não necessitava carne vermelha seu cérebro não fazia questão tamanha proteína, às vezes pescava num lago contíguo, uma variação suficiente para seu limitado gosto.

Tinha tudo o que precisava, informação suficiente para sua satisfeita sobrevida, não lia nem escrevia, não somava nem subtraia. Bastava-se a si mesmo, entendia sua história, suas palavras, sua economia e seu sexo. Uma falta de pretensão beirando o encontro da eterna busca humana, inconscientemente.

Tema 15 - informação

Perdido... simples assim.

Não sei onde estou, a noite havia sido alucinante, nem lembro quantos Jesus me chama eu tomei...

Juro que nunca mais faço isso... Acompanhar o Mmatteucci na ladeira da alegria não é fácil. Coloquei para dentro tudo que havia de líquido em garrafa e lata que tinha naquele bar púrpura.

E nem deus sabe o q coloquei pra fora naquele banheiro fétido.

PQP, que ressaca...

Parece que engoli um guarda chuva (agora na versão sem hífen), preciso de um gatorade ou algo do tipo.

Bom, mas primeiro vou abrir os olhos.

Hooooooooooly crap!

Alguém apaga esse sol por favor!

Que coisa molhada é essa na minha boca?

Putz... um cachorro lambendo minha boca, devo estar numa sarjeta, belo clichê...

Bom, vamos lá, hora de tentar virar gente de novo.

Abrindo os olhos devagar, tentando me acostumar à luminosidade excessiva...

Levantando devagarinho, oooopa, quase caí de novo.

Pronto, consegui, estou em pé.

Continuo sem saber onde estou.

Que gosto horrível na boca, ainda bem q sempre tenho uma goma de mascar no bolso.

Hmm..

Agora sim, bafo sabor menta.

Uma pessoa vem vindo.. o q faço?


- Sr, por favor, uma informação. Onde estamos?

- Na Rua Avanhandava, meu jovem.

- Muito obrigado.


Caramba, será q desci rolando até aqui?

Não sei, só sei que agora já posso voltar pra casa.

Tema 14 - Amante

Presentes...

Performance, paixão...

Malabarismos impensáveis...

Atos proibidos com a mãe dos meus filhos.

Perigo,

Sabores...


Experiências.


Um único compromisso,

Manter o segredo,

Nunca me ligue.

Nunca.


Eu amo minha mulher,

Você?

Você me dá tesão,

Você me alivia,

Você me tira desse mundo

Cotidiano.


Não espere

Nada

Além.

Tema 14 - Amante


Sem atrito



Fazia calor naquela tarde de inverno, mais umas dessas indeléveis intempéries climáticas fruto das modernidades mundanas, a temperatura era muita para aquele pouco corpo moreno de sol e franzino de vida. Era mulher já quase madura, quase feita, oscilava a idade entre vinte e sete e vinte oito anos, uma dessas esquisitices femininas para não se comprometer com a vida, mas a verdade é que continuava linda como aos dezessete ou dezoito. Desabotoou a blusa branca que transparecia o sutiã também branco, não sacou-a, esperou. Desatarraxou o sutiã com a blusa ainda cobrindo seu colo, o sutiã caiu ao chão colocando à mostra seios firmes quem olharam ao adversário como quem incita o guerreiro à luta, a tênue cortina que protegia seu peito rasgou-se por uma brusca puxada de seu conviva casual, quando da nudez o humano parece esquecer quem assim deve ser, assim sempre foi, e assim será. Despe-se a roupa fica o pudor, coisa pouca que muito afeta a vida em sociedade, coisa grátis que cobra um tento a cada consciência de que suas existência e criação dependem de um humano superior, sacerdotal, que quando do himeneu de seu prelúdio animal sede à tentação, ademais de qualquer voto de castidade, o maior pecado é ignorar ser o humano uma espécie dentro da espécie. O suor marcou essa tarde, o suor pelo sol a pino, o suor das axilas, o suor dos nervos em fúria de transição, o suor da contemplação estética de outrem, o suor corpóreo que minimiza o atrito como numa equação física a se ignorar o atrito para que se chegue a um resultado menos dolorido possível, o suor do feromônio.

Consumado o ato vestiu-se de sua saia negra de secretária, abotoou os insinuantes botões da blusa braço-transparente, tomou de sua bolsa e se foi, deixou-o estatelado a dormir, como um servo em seu descanso pós-obrigação. Trancou a porta do quarto quebrando a chave na fechadura de modo a não se poder abrir a porta tão cedo. Ao adentrar sua casa, como de costume, seu esposo já lhe esperava com a janta ao forno, pato assado com batatas souté era o prato do dia, saboreou-o com muita gana, estava delicioso, melhor que o breakfeast daquele mesmo dia, quando ela mesma preparara deliciosas panquecas e ovos dourados acompanhados de suco de laranja e chá preto para seu esposo que adorava.

No dia seguinte faltou ao trabalho na parte da manhã, queria saber como estava seu chefe no quarto daquele hotel. Na recepção recebera a notícia que aquele quarto estava desocupado e que se quisesse estava em promoção a diária com meia pensão. Aceitou a proposta e pegou o cartão, substituíam todo o sistema de fechadura dos quartos do hotel para cartões magnéticos que bastavam serem postos no encaixe para a porta ser aberta. Ligou ao escritório e informaram-na que o chefe ainda não chegara para a lida, previa um serão para depois do serviço, do celular mandou um torpedo ao marido avisando que ficaria até mais. Já era quase noite feita quando ele chegou, houve uma pequena discussão por causa do incidente da chave, mas ela recordou-lhe que não fazia mais que realizar um fetiche dele, ele consentiu com a cabeça, mas não se conteve, foram inúmeros safanões, murros e chutes, violência bruta em seu estado mais bruto, tentou se desvencilhar daquele parceiro antes tão desejoso e amável, mas era fraca demais para aquele gordo.

Não retornou à sua casa, dormiu lá mesmo toda dolorida da surra, mas como era boa a dor! Poucos sabiam apreciar a transcendência da dor e seu esposo não era um deles. O patrão gordo chegou ao hotel por volta das quinze horas, mesmo período em que seu marido dava queixa com o delegado Zé da décima nona DP:

- Infelizmente temos que aguardar quarenta e oito horas para registrarmos queixa de desaparecimento.

- Que absurdo!

- Não posso fazer nada, só cumpro as leis.

Ela acordou com um lindo ramalhete de orquídeas a seus pés, às vezes seu chefe se dava ao luxo de rompantes românticos, o que lhe dava medo, não queria maiores envolvimentos emocionais desejava apenas o cargo de executiva chefe, o que jamais conseguira. A PM encontrou seu corpo coberto com tais flores, roxo e desvanecido à porta da suíte, ao criado-mudo pendia um bilhete sem rubrica:

“O amor transcende a barreira da moral, a isso são raras as compreensões.”

Ao avistarem o bilhete um estrondo vindo do banheiro, um som de queda ou algo que o valha. O corpo obeso com hematomas pela cabeça devido à pancada à beira da banheira, pouco sangue havia, os laudos periciais acusaram morte por envenenamento. Sem solução o caso foi arquivado. Enquanto se armava o circo, polícia, imprensa, curiosos e transeuntes, seu esposo tomava um delicioso e amargo café no estabelecimento contíguo.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Tema 13 - Humor

Inexato

Houve alterações, sempre as há de havê-las. A feminilidade não pressupõe exatidão ou estabilidade, eis o charme. De lá pra cá de cá pra lá, entre risos e choros, glórias, louros ou mau agouros, a parte sensível humana não permite quaisquer decretos finalista e fatalista. Uma eterna transição entre pólos opostos internamente, luta incondicional cuja glória não se mede pelo tanto que se ganha e sim pela eficácia da operação, normalmente levada a cabo sem prévia concepção. Essa incógnita do gênero feminino, estudada inúmeras vezes por inúmeros profissionais, da psiquiatria à dramaturgia, da filosofia às artes aritméticas e científicas da medicina, porém todas as especulações conclusivas acerca do assunto nunca foram satisfatórias, explica-se o fenômeno, detecta-se a causa a vida continua a mesma, o que altera-se é o consumo, dos farmacêuticos à cosmetologia, a feminilidade, através dos tempos, só cambia de alegoria e de humores, o que, em rude análise, não é passível de câmbio, não se altera o que é instintivo.

Aconteceu lá pelas bandas da Zona Norte, um crime cuja autoria era feminina, a vítima, um rapaz de vinte e oito anos estudante de engenharia numa dessas faculdades que do quintal surgem e dominam o ministério da educação, quiçá hão de dominar o globo. Diziam os clientes ser ela uma mulher como qualquer outra e que mesmo quando irritada demonstrava docilidade, contradição própria do gênero. Ela o matou, é verdade que o rapaz não era tão direito quanto as fantasias femininas de criança sugerem, mas da parte dela não havia outra demonstração senão o desejo sexual, o que para ele era muito conveniente, ele acreditava que as mulheres não tinham a capacidade intelectual muito apurada o que nunca escondera de Sônia, esse era seu nome, e ao que ela sempre relevara, pela irrelevância da infantilidade própria do ser masculino, não parecia tão irrelevante quanto sugerem as tatuagens deixadas no corpo do rapaz. O aspirante a engenheiro havia presenciado por vezes a variação de humor de Sônia, Nada mais natural para uma mulher! Sua opinião sobre as mulheres era digna das opiniões dos senhores de engenho. O desdém dele para com ela não se assemelhava exatamente com o que se beira ao agradável, isso se supondo que haja desdém agradável, Sônia sabia mascarar seu verdadeiro sentimento com o lugar comum das alterações de humor atreladas às instabilidades hormonais femininas, em favor de seu ímpeto sexual próprio dos trinta anos.

Em seu estúdio de tatuagem Sônia era muito solícita, para tal profissão são necessárias calma e espírito cômico, o que ela tinha de sobra quando o espaço da sobra não estava ocupado. Costumava fazer os mais diversos desenhos, de dragões a lagartixas, de borboletas a sinistras caveiras, sugeria o que se era de sugerir e se calava quando sua opinião profissional contrastava com a convicção do cliente, nada muito diferente de seus relacionamentos afetivos, aliás, não fazia muita distinção entre o campo profissional e o pessoal, o que sentia, sentia em qualquer lugar, o que mudava era a situação e o que chegava aos limites do suportável e insuportável.

Às facadas se seguiram belos desenhos, verdadeiras obras de arte, tatuagens sugerindo pecaminosas construções palacianas, caveiras ao lado de índios, tubarões e azaléias, pinturas de flores feitas com sangue na parede da cozinha. Ao que indicam os laudos a assassina ficara retalhando a vítima com seus desenhos por pelo menos um mês, tempo estimado por tatuadores profissionais para que se cubra um corpo médio masculino sem que haja um espaço de pele à mostra. O caso entrou para os anais da psicocrminalística, virou referência de estudo, tornando-se um clássico mais tarde, para faculdades de direito, psicologia e medicina com especialização em psiquiatria, nos cursos para cabo e sargento PM o caso era citado com freqüência, no exército os recrutas já sabiam do caso na fila de alistamento. Oscilações de humor são inexplicáveis aos olhos humanos, muitos deixaram isso para a religião que além de explicar conforta o que não se entende. Sônia, após seu linchamento público, ficou na memória social como verdade ou lenda, algo incerto como sua derradeira atitude.

Tema 13 - Humor

O humor de mau humor.


Amanheceu mais um dia de primavera.
O palhaço desperta de seu sono conturbado.
Levanta para o lado errado..
Pé esquerdo no chão.
Putz! E agora....
Dedinho no pé da cama!
Ai! Vápapu.... fidapu...
Calma...
Nada pode estar tão ruim que
Não possa ser piorado...
Abre um sorriso,
Pensa na flor que joga água...
Essa geladeira está
fedendo...
AH!!!!
O leite estragou!
Calma...
Toma um café e abre um sorriso...
Pãozinho quente com manteiga...
AH!!!! Minha bochecha!
Ai caramba...
Hoje não é o dia do palhaço...

Olha a mulher barbada lá.
-Bom dia palhaço!
-Só se for para você!
-Xiiii, ta de mau humor... Senta aí, pega um copo...

Uma, duas, três caixas de cerveja depois...
O humor de bom humor...

Tema 12 - Ditos populares

Trovão e a linguiça

Outro dia o Felipão deu uma entrevista e falou sobre o tempo em que se amarrava cachorro com lingüiça...

Bons tempos... Na época do guaraná com rolha...

Maldito guaraná com rolha, sempre perdia o gás, ou a rolha saía voando antes da hora.

Quebrei alguns lustres por conta disso...

Mas o pior mesmo era quando quebrava uma janela, aí minha velha avó sempre dizia: “cuidado com o golpe de ar!”, seguido de um “ai se pega na vista....”

Vovó sempre foi uma mulher de sabedoria, não é que um dia a rolha acertou o olho do tio Aníbal!

Coitado... desde então ele fica com um olho no peixe e outro no gato...

Mas voltando ao cachorro e a lingüiça, nunca entendi direito essa história, porque era juntar a fome com vontade de comer! Todas as vezes que tentei amarrar o Trovão, meu amado Dachshund, com uma lingüiça, ele adorou! Acabava comendo a dita cuja em 2 minutos... e depois se deitava e dormia sob o sol deliciado...

Acho que essa era a intenção...

Porque o Trovão era um salsicha que se achava pastor alemão, encrencava com tudo e todos, mas como cão que ladra não morde, nunca fez mal a ninguém, pelo contrário, se alguém em casa estivesse doente, lá estava o Trovão ao lado do enfermo tomando conta.

Mas como nada é para sempre, um dia Trovão faleceu...

Fiquei muito triste no começo, mas sei que todos os cães merecem o céu, e hoje uso lingüiças para amarrar as salsichas na churrasqueira.

Tema 12 - Ditos populares



Quadro da Pureza Embriagada


O quadro se comprazia num caos incipiente, entre as artérias dilatadas e as cores inundadas de sua memória imaginativa de pouca repressão, quando da ingestão daquele estado de alteração psíquica fugaz, em planos anterior e posterior ao que a terra guarda a qualquer ser humano, animal ou mineral, ele cambaleava. De um carteado a outro, de uma rodada à outra, a saideira era sempre o início de um futuro de incerta finalidade. A Irresistível e incontrolável qualquer ação, o fazer se fazia pela simples inércia de um corpo cadente pouco celestial, era homem, e como homem digno de pecados e pecadores tomava sua sentença em qualquer copo que se lhe aparecia diante dos instintos olfativos ou dos verbetes inúteis dos filósofos taciturnos dos corredores arredios da noite da megalópole pouco ancestral. São Paulo era pra ele sua cidade e seu santo de cabeceira, o bar apenas a casa de um a amigo a ser visita num culto baqueano que bem poderia ser a Bach, todavia findos os copos sempre à benção era dada por Baco.

Às três da madrugada a vida ainda não era sarjeta, à mesa se serviam vários dos transeuntes que lhe pareciam aprazíveis, sinais eram emitidos fossem onde e de quem fossem, no carteado, no flerte, nos olhos azuis da morena ou nos castanhos de outrem, o mundo era aquela roda que tende a rodar, aquele sem fim de rumores que aos ouvidos soam como ruídos de um inferno cotidiano, como o barulho das buzinas ou o burburinho do centro velho, nesse horário costumava espairecer-se da agitação do boteco, dava uma volta, normalmente deparando-se com cães de rua a perambular por entre os sacos de lixo expostos à espera do recolhimento, adorava cães, sobretudo os que lhe davam alguma possibilidade agressiva, um chute, um soco, um cuspe, não importava, os cães representavam uma sublimação para sua alma pouco criativa, até a mordida do vira-latas, desde então, preferiu brincar com os mortos. Sua estadia no globo terrestre era assim, nada além de nada, e isso bastava para seus poucos sentimentos acerca das possibilidades futuras, ignorando o significado da palavra ambição. Dinheiro? Os copos eram o custo da vileza cotidiana, dava-se um jeito, ficar sem é que não ia!

O bar cerrou as portas já eram seis horas, nada de sol, o dia amanheceu nublado num frio que anunciava o princípio outonal, não sentira os efeitos do clima, o calor alcoólico lhe dava uma condição de ser superior, uma quentura pontiaguda a dilatar a rigidez muscular, suas narinas aumentariam dez por cento seus diâmetros, respirava bem, mas a sede lhe feria os órgãos internos, nem a mais bela mulher seria capaz de lhe abrir o apetite por carne ou por uma mágoa qualquer, um ser estático caminhando a esmo retrata o animal inferior ao que muitas vezes somos obrigados a ser e jamais assumir.

Consolidado o dia e o orvalho evaporado das folhas novas da cidade grande, não havia mais condição para caminhadas embriagadas, sob a marquise de um estabelecimento abandonado situado à Ladeira Porto Geral, deitou-se desfalecido tomando pouco cuidado, aquele mínimo elementar, difícil e possível, de ter-se consigo. Dormiu enquanto o movimento dos camelôs começava a perturbar àqueles desinformados da rotina metropolitana que andavam em busca de sossego, algum forasteiro interiorano ou provavelmente um gringo anônimo encantado com os desencantos tropicais terceiro-mundistas, normalmente um europeu exótico qualquer. Dormiu, e ninguém pudera dormir por ele, infelizmente, se possível fosse abdicaria do sono por mais um trago no gargalo.

Em trapos acordou por volta das dezoito, quando aquela muvuca humana faz questão de correr atrás dos trens e dos ônibus para que, já acomodados, quando o espaço físico do meio de locomoção permite o uso adequado dessa palavra no particípio, os transportes correriam por eles, digo correriam pelo simples fato de, a esse horário, aqueles que desejam retornar às suas moradas ficarem parados em busca de uma fenda na avenida ou numa rua indistinta para que o tráfego sê liberado, o que a essas alturas da evolução humana só ocorreria lá pelas tantas da madrugada. Acordou, mas nem tanto, seu café foi uma xícara, uma dessas de chá, leite ou café, sem luxo, porém funcional, o que a ela lhe dá razão de existir, contendo uma substância etílica qualquer, o suficiente para devolvê-lo ao estado de vigília da noite anterior, à pureza da embriaguez mal falada.

Subiu a ladeira num cambalear entre ele e o equilibrista de João Bosco, mas nesses famigerados anos 2000 o que se passa pelo rebolado popular já não se distingue em qualidade de outros tempos idos, nada de saudosismo, à época mal havia nascido nosso homem, mal largara a chupeta e os peitos maternos, dizem alguns na mídia que eram os tempos de chumbo, mas tanto fazia a alienação era a grande glória de seu legado terrestre. Esse dançar bêbado provocou a ira da guarda que sem ter muito trabalho, ao que os soldados supunham, lhe deitaram fugaz repressão, desnecessário aos cumpridores da lei, boa demonstração de pouco poderio aos passantes que não identificavam naquela figura torpe um dançarino, mesmo por que não o era. A cachaça lhe protegeu das pancadas da borracha, pouco sentiu dos vergões que lhe assolaram a pele, os camelôs recolhiam atabalhoadamente o que se dava pra recolher, corriam em direção a um ponto cego qualquer, a saber que não deveriam haver oficiais armados por lá, de lá muitos assistiram uns poucos guardas, três mais ou menos, protagonizando infame espetáculo bélico, onde para armas bastavam mãos e membros inferiores.

Ele caiu, caiu não, rolou, rolou ladeira abaixo, rolou bêbado ladeira abaixo, rolou por vontade alheia, por vontade social, coitadinho daquele pouco ser humano que rolava a ladeira, a resumir os sagazes comentários dos populares que presenciaram a ocorrência, como se diz no jargão policial. Entre vozes e vozes a entoarem exclamações uma se destacou, uma que nada tinha com o fato em si, Que goleada o Santos deu ontem na Portuguesa você viu, ao que respondera o interlocutor, Mas o time da Lusa não tem ninguém, só jogador em fim de carreira, tudo velho, empurrar bêbado da ladeira é fácil.



Rodrigo H.

Tema 11 - Todas as graças

O Crepúsculo Dourado

O silencioso vento ressoa em seus ouvidos, contra sua pele, um gélido vento de fim de tarde contrastando com o aroma de fogo e destruição que ele traz.
Em 2525, o jovem monge Yu Ti é tudo que existe entre a milenar dinastia da Cidade Dourada de Khun Lun e sua iminente destruição.
Ele se posiciona ameaçador e impassível por entre o caminho ornado de corpos e maquinas, desfalecidos em batalha, carregando consigo apenas seus punhos cerrados e eras de conhecimento e segredos que o favorecem em batalha frente às hordas invasoras.
Sua honra, implacável como sua determinação, é o que o difere dos seus oponentes. Ou pelo menos, assim é como ele acredita. Frente ao caminho do embate, não haverá escapatória, não haverá perdão. Tudo há de terminar esta noite, e Yu Ti, no âmago de seu coração sabe, seu caminho há de se findar naquela mesma noite. Junto com sua Cidade Dourada, seu corpo há de se juntar aos demais corpos no caminho do avanço irrefreável do destino.
Com as cinzas de sua cidade, perecerá uma pequena nação de homens deuses devotos à consagração de suas almas imortais, frente a implacável resolução de um império opressor, jovem se comparado à sua dinastia, onde delírios de expansão impõem sua cultura homogeneizada em mentes livres.
Yu Ti contempla seu destino ao ver as monumentais bases flutuantes, maquinas aladas e totens de guerra que remetem aos titãs da mitologia. Ele esboça um sorriso, pois sabe que sua morte será grandiosa, digna de sua história, digno de seus antepassados, mesmo que não haja mais ninguém que siga seu legado, mesmo que sua história nunca seja contada.
Ele se lembra de sua infância na Cidade Dourada, lembra-se de correr por entre os templos e sentir o vento no rosto ao saltar das Cachoeiras Suspensas. Ele sente novamente o calor dos braços de sua mãe, o reconfortando quando seu pai se tornou mais uma das lendas tombadas em guerra. Os toque dos lábios macios do primeiro beijo de seu primeiro e eterno amor. O nascimento de seu primogênito, a promessa orgulhosa de participar na criação de um herdeiro a continuar a jornada de seu povo.
Em meio à memória de todas as glórias viveu, Yu Ti percebe como essa jornada, embora milenar, parece acabar cedo demais. Ainda assim, seu sorriso se aumenta e se mistura as lágrimas que escorrem em seu rosto. Lágrimas que determinam seu agradecimento por uma vida repleta de graças, memórias e prazeres que nenhum poder no universo poderia apagar.
Frente à obliteração, Yu Ti e sua Cidade Dourada persistem. Sim, eles serão destruídos e desfeitos.
Suas almas porém, jamais serão domadas.

Tema 11 - Todas as graças

Um olhar pueril,
Sorriso infantil,
Palavras sinceras, sem
Pudor,
Sem medo das
Conseqüências.

Gestos, brincadeiras sem
Maldade.

Pureza.

Risos.

Todas as graças de uma
Criança.

Tema 11 - Todas as graças

SUBLEVAÇÃO
Todas as graças
Todos os rostos
Crenças e desgostos
À face clara
O asceta
Aceitação do mundo
Do cão
Do imundo
O baixo ventre
No centro de levitação
O humor como mal
O mau humor
A graça
A dança
A criança que nada acaba
Indefinível
Indefectível pujança
De horror
Dor
Dor de riso
Riso só
Sorriso
Apenas...
Assim o olho
E sua parte nua
Assim estão
Despedidos da verdade
Despidos de finalidade
Objeção abjeta
Da indiscrição objetiva
Da criação onírica
Presente de yang à Pandora
Da clarividência
Da santidade popular
Chafurdando em seus ofícios
Malefícios desgraçados
Instados à distância
À pocilga da irrelevância vital
De acordos
Curdos ou cristãos
Budas ou pagãos
Heras, Hades, Afrodites...
Afrosambas...
Oguns de bambas!
Do piegas pranto
Do canto ao resto
Da tristeza profunda
Da profundeza do gesto
Vem de graça
O que não se vende
O que se sente
É sentido
E o que poderia ter sido
Foi...
Foi-se enfim
Mal mantido
Numa permissão esquiva
Sustentada pelo pó da certeza
Da razão aos vieses
A verdade da destreza
Povoação do latente
Desejo de liberdade
A criação de uma graça
A evidência improvável
Da comprovação inanimável
De um vil transcendental
Oh Eros puro deus!
Há asperezas em sua gestação?
Um outro sentido
Um outro estado da matéria
Um estado de estrela
Um estado de lua
O Sol
Rei tropical
Estado marginal
Dissimulação universal
Terra inverossímil
Terra oposta a Galileu
Um Darwin mameluco
Cosmopolita
Na profusão egocêntrica
Duma realidade excêntrica
Entre o tântrico e o erótico
As obscenidades sexual e moral
A falta disso e de tudo
O que falta
É o que guia
O que faz sentido
O sem sentido
O caminho
O rastro que a humanidade deixa
Nada ensina
Nem carisma
Nem menina
A indiscrição
Do oco


Rodrigo H.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Um pouco de sangue e outras verdades


Era dia de morte. Aquele cadáver jazia aos pés dos pés de quem o via. Uma imagem sacrossanta para os envolvidos no episódio das casas. A imagem da mãe morta, olhos abertos, sentenciada à escuridão do infinito incerto, olhava seus filhos como quem olha ao vácuo, altivando o medo da família sobre a reles estadia humana na Terra e ao findar o cultivo do vazio eterno. Deus se fez presente nas orações egoístas de quem mirava a cena e gostaria crer que fosse miragem a imagem da mãe morta. Ausente aos pés do olhar.

Desde o nascimento de seu primogênito, D. Neiva dissera a verdade. Segundo sua ótica a verdade deveria ser dita, mesmo que segundo sua ótica. Assim a vida caminhou, e de verdade em verdade muitas verdades eram alumiadas, outras arquitetadas, algumas vividas... E a verdade tornou-se refém de si. Quando da infância a verdade se fazia presente para a obediência dos filhos e para as médias escolares não fugirem do controle. Quando adolescentes a verdade lhos servia para trilharem o caminho correto, o caminho do bem, e deixar a vadiagem aos vadios filhos alheios. Na idade adulta a verdade continuou sua saga dantesca em busca de não se sabe o quê. Mas ao que consta, hoje é perceptível que a verdade não passa de um argumento para o argumento da falta que faz uma certeza.

Eram muitas e de variados tons, do mais claro ao retumbante escuro, do pastel ao fluorescente, de Tarsila a Caravaggio. Assim eram as casas, assim se amontoavam como em uma grande cidade onde circundava apenas uma pequena vila. Seus moradores de nada necessitavam senão seu próprio meio, uma auto-suficiência beirando ao nicho ecológico de qualquer animal.
Pela manhã de uma certa sexta-feira, dia sagrado ao vilarejo, quando a jaula se abria para a soltura dos animais indefesos e para os do topo da cadeia alimentar, o movimento era incomum para aquela paz atormentada das fofocas e dos burburinhos angelicais. Na casa verde a vermelhidão se fazia imperial como as palmeiras, e um rio e outras tristezas jorravam seus resíduos para fora entre o chão e a aquela porta banhada a hemorragia fresca. Nada de alarido anterior aos cochichos da vizinhança provocados pelo espetáculo, prova ocular não havia, tampouco foram encontrados instrumentos cortantes, torturantes ou outros fazedores de dor. Apenas sangue fluindo pelo batente e no espaldar do tosco móvel onde agonizou D. Neiva, era um corte estreito e profundo entre as costelas atingindo o coração, coisa de profissional! O autor da obra preocupou-se em girar o objeto, um tipo incomum de faca, a rubrica estava garantida.

A aglomeração, à chegada da imprensa, era digna do sensacionalismo fazedor de audiência, muitos transeuntes e curiosos dificultavam os trabalhos periciais da polícia científica e dos médicos legistas. Periódicos televisivos noticiavam ao vivo a famigerada eventualidade com a malícia própria das meias palavras, onde basta a opinião de si para resolver verdades alheias. Essas verdades factuais ainda renderiam muitas matérias e com elas suas isenções, além de lucros e dividendos para os detentores de algumas concessões governamentais.

O revés de D. Neiva teve seu prelúdio no culto de terça-feira, segundo alguns fiéis da vizinhança ela estava com o demônio encarnado em seu corpo, virava os olhos, babava e até bocejava, eis que Lúcifer acabou sendo sentenciado pelo bondoso pastor Herculano, Sai satanás! Sai demônio desse corpo que não lhe pertence! Oh senhor! Leva de nosso meio essa besta do apocalipse! Sai exu traça rua! Xô satanás! Muitos dos irmãos interpretaram aquele “satanás” sentenciado pelo nobre ministro da fé como um prenúncio daquela fatídica sexta. Após o culto a vizinhança teceu inúmeras elucubrações acerca daquela sessão de descarrego, Foi fora do normal! Nunca vi coisa igual! Era o tal Exu mesmo. Queima ele senhor! Mas para D. Neiva aquilo fora obra de Cristo, estava ela mais leve, aliviada, o encosto enfim a deixara em paz, estava sem pesos. Ao menos até o desjejum da tal sexta-feira.
Muitos comentários indecorosos sobre a idoneidade daquela mulher foram propagados entre a terça-feira do descarrego e o fatídico dia de seu entrever com o carrasco. Afinal uma mulher direita não sucumbe às verves do demônio. As sentenças eram muitas e sortidas, maléficas e menos maléficas, umas com muito outras com pouco veneno, mas sempre com a peçonha nos caninos. Mas Deus dá seus avisos, inclusive os morais, e tal evento sanguinolento mudou muita coisa. É... as coisas mudam e junto delas as pessoas.... Pessoas são mundanas.
Curiosos transfigurados em defensores da justiça de sua própria casta às suas próprias sortes concediam entrevistas como quem concede uma relevância, relatando devaneios sobre a dignidade daquela senhora dedicada aos filhos, mãe solteira, mas zelosa, pobre, mas preocupada com a educação filial e que jamais deixara faltar algo em casa. A imprensa os disputava como cães a urinar o território, quem tinha maiores, ou quaisquer, informações, mesmo que desprovidas de conteúdo ou verossimilhança, sobre a infeliz sanha que aplacara aquele exemplo de exemplar humano de nome Neiva. sentado à poltrona à luz do sagrado jantar o expectador médio brasileiro necessitava saber o desenrolar do novelo, como novela que não se pode perder o fio da meada.


Entrevista concedida à rádio Jovem FM por Seu Manoel do armazém três semanas após o crime:

- D. Neiva tinha sessenta e três me parece. Mas tinha uma aparência jovial, sempre brincando, saía pra dançar no fim de semana, bagunçava... Apesar do pastor Herculano reprová-la nisso. Isso era ela mesma que me dizia. Era alegre com a vizinhança. Trabalhava muito, vendia bijuterias na vila. Suas “jóias raras” segundo ela, mas falava isso pra fazer graça mesmo, era brincalhona (rsrs). Mas vou te falar... A mulherada da vizinhança adorava essas tranqueiras viu! Com esse dinheiro ela sustentava a casa toda, era luz, água, telefone e aluguel. Fora o mercado! Que era seu filho mais velho que fazia. O Alfredo. Na semana que aconteceu o ... o ... o .... nem gosto de falar viu! Bom naquela semana ela andava se aconselhando demais com o tal pastor Herculano. Ele a recomendou que evitasse as tentações, principalmente porque ela, com aquela idade, deveria servir de exemplo pras moças mais novas da vila. Deveria se dedicar mais à família, Mais! Aquela mulher praticamente vivia pra família! Não tinha vida própria! No máximo ia ao baile da terceira idade! Por isso odeio pastores, padres e tudo isso aí. Estão acima da lei! Eles mandam as ovelhinhas obedecem! ( Da palavra “Deveria” à “obedecem” a entrevista fora editada pela rádio por motivos éticos)


Não mais as lágrimas importavam, estava dura feito rocha em dia de outono, o choro não mais que uma água indesejada em dia de sol. A mãe posta. Isso posto, o corpo foi velado após as complicações e demoras relativas ao caso findarem. O IML tardou com a liberação do cadáver. Seu velamento fora feito à principal praça da rua principal do vilarejo, muito próximo às casas amarelo fosco e a meio acinzentada, onde moravam seu João Custódio e Firmina, respectivamente. Eram esperados milhares de pessoas para o cortejo fúnebre. O que irritou muito Custódio que mal pode ver seu futebol em paz. Mas Custódio era gente de bem e bem humorado, sua solução foi abaixar o volume da televisão. Firmina e Custódio foram entrevistados por vários meios midiáticos. O que culminou na aquisição de dois computares financiados em pequenas parcelas a se perderem de vista nas Casa Bahia para poderem ler suas entrevistas e ver suas fotos na internet, algo raro para aquela gente pobre, mas alfabetizada.

Um transeunte que espreitava a localidade havia dias foi denunciado e encarcerado, preso e condenado em júri popular, isto é, pelo arbítrio, não o livre, da população indignada e dos formadores dele. Todos do lugarejo aceitaram a idéia mesmo antes dos laudos periciais serem definitivos. Seu nome, Jarbas. Seu rosto não causava estranhamento naquele povo, sua fisionomia era para muitos familiar, seria ele o antigo entregador de gás, pizzas, jornais, flores, o vendedor de doces ou coisa que o valha, ou outras coisas mais.... e mais.... e coisas... Porém, de verdade mesmo apenas que o assassino fora preso, para o alívio de quem sabe o que diz.
As vítimas da verdade foram se recolhendo pouco a pouco. De D. Neiva ao expectador remoto com seu jantar esfriando a assistir seu telejornal noturno, poucos entenderam, outros nem sabiam mais, outros poucos questionaram seus papéis naquele anfiteatro onde as cortinas se fechavam. A imprensa era simpática ao vilarejo.


Tempos idos D. Neiva esquecida, seus filhos já anciãos e não menos esquecidos, esqueceram-se do ontem e do amanhã, o hoje presente era a única lembrança viva que guardavam e assim o queriam. Para esses quinquagenários o amanhã não era mais tão distante, viviam para a vida viver com eles, até o findar da morte. Contudo havia sim uma lembrança, ou melhor, uma herança materna. Havia uma verdade.

Rodrigo H.

UMA FENDA NO TEMPO


“É chegada a hora do recolhimento. As trevas são
o prelúdio da estação vindoura, cada
gato delgado cobrará sua destreza felina em prol
do paladar insatisfeito”





Cinco de Janeiro de 1994, Sr. Santos acordou às onze horas como fizera religiosamente desde o começo do verão. Notou à sua volta inoportuno chão turvo, mas não de uma turvação inanimada, de materiais como o pó e a sujeira de porcos... A razão transfigurara sua qualidade momentânea ao sol que, ao adentrar à janela da casa, deparava-se com um obstáculo, a velha cortina que sua mãe lhe presenteara em razão de seu aniversário doze anos antes.
Ao desjejuar pairaram-lhe a meditação do não-pensamento e a contemplação dos prazeres palatais e visuais, tal inação abriu-lhe uma fenda no tempo, onde a satisfação sensível era a única forma digna de realidade vital, um gozo austero raramente percebido, inúmeras vezes experimentado em vida. A cortina foi aberta com uma rapidez inebriante deixando a luz do dia entrar a ofuscar-lhe a visão. O tempo parou em sua breve ofuscação ocular, Que deleite aquele! Os sentidos são a manifestação da alma em vida! Santos assumiu tal idéia num súbito irracional, pois quanto à questão da alma tinha sérias dúvidas. As premissas de futuro quando se é jovem são evidentes e invariavelmente contundentes. Era tempo acordar.
Ao recuperar-se de tal sublime quimera, um distúrbio prazeroso de percepção externa, tivera a mesma visão de anos abrindo aquela janela, os mesmos pássaros (andorinhas, pardais e pombos... e como tinha aversão aos pombos!), as mesmas árvores, os mesmos transeuntes se aglomerando e poluindo seu campo visual. Recordou-se do que experimentara ao acordar e deleitou-se com aquela vista do passado próximo, um pretérito perfeito que não se esvaíra de suas sensações e perduraria durante todo o dia se assim fosse preciso, mas... “Viver não é preciso...”
Bem ao fundo daquela turva paisagem avistava-se o mar, este sem nenhum sentido poético-venerável para nosso amigo. O mar simplesmente estava lá compondo pictoricamente a paisagem, que, aliás, não era de bom-grado a Santos o conjunto dos elementos de tal obra. Porém desta vez notou ele uma figura alheia àquele turbilhão caótico-físico, um exemplar feminino quase metafísico, uma hipótese não descartada dada a distância entre ele, aquele corpo e seus óculos de correção, quebrados dias antes por um soco que levara de um policial que o repreendera por uma dessas diligências policiais acerca de meios escusos.
Santos faria uma constatação, um fio de esperança fez-se notar passageiramente em seu ego.
À porta de sua casa teve medo e, titubeando, abriu-a de supetão! Que prazer foi-lhe imprimido ao deparar-se com os porcos que, como de costume, aporcalhavam-se em um terreno contíguo, a lama estava pronta para um bom mergulho...
A rapariga encontrava-se beirando o mar naquela vastidão oceânica, a distância era tal entre ela e Santos que ele às vezes a perdia de vista dada a ínfima percepção de seu corpo às ondas. Sorrateiramente Santos esgueirou-se por entre aquela sua paisagem de calafrios quando vista da janela, ia assim ao encontro de tal figura ausente de sua vida. O caminho era árduo e os obstáculos breves, um espaço curto de areia quente por causa do sol, e nada mais.
Ela não o olhou, e tendo lha dito bom dia ela respondeu:

- Bom dia! , e nada mais...

Ela não o olh... “Malditas convenções! Todos as dizem: Bom dia, tarde, noite, sorte, aliás, fora o que disse minha mãe, a mim, quando daquela prova com lagartos e outros répteis, o resultado? Os lagartos venceram... Boa sorte! MALDITOS SEJAM! Porque não ”Boa morte!” ao invés de “Meus pêsames!”? Hipocrisias, hipocrisias, hipocrisias!
“Feliz aniversário!”, poderia não ser feliz, quem se importa? Mas ele insistiu:
- Meu nome é Jaime, de sobrenome Santos, muito prazer! (silêncio) da minha janela vejo todos os dias a mesma paisagem. Imutável. Hoje percebi que a senhorita a havia invadido e resolvi ver se não estava enganado, se isso tudo não era uma obra de minha visão, estou sem meus óculos e... Uma miragem entende?
- Entendo!
- Qual é o seu nome?
- Serafina.
Ela não virou-se. Respondeu, mas não se virou. De costas era uma bela mulher, - Uma infame mulher! - estava condicionada pelas convenções sociais. Provavelmente não queria aquele homem ali a estorvá-la, mas respondeu, “Bom dia!”, são regras básicas de educação e dos bons costumes
“Malditas convenções! Bom dia... que infâmia! Sejamos infames!”, ela não se virou.
Santos sentou-se às suas costas.
- Serafina? Nome de anjo.
- Não!
- Não o quê!
- Não é nome de anjo. Apesar de não terem sexo, anjos têm nomes masculinos, Gabriel, Miguel... Entende? O nome é Serafim, e não é nome pessoal, é um tipo, Serafim é uma denominação para um determinado tipo de anjo.
- Porra!
- O quê!
- Desculpe!
- Por que você disse isso?
- Não sei! Posso encostar minhas costas nas suas?
- ...S...s...sim...

Santos deleitou-se com uma sensação inesperada, uma voluptuosidade quase tântrica ao som bravio do mar. Um cheiro inexato penetrava-lhe as narinas, um odor salino adocicado com o perfume da pélvis feminina, expostos à maresia de uma tarde tropical.
Santos atordoou-se com pensamentos acerca das convenções sociais, onde se ateve por um longo tempo... Recordou-se dos deleites sensoriais experimentados pela manhã, quando do desjejum, e passou a contemplar o que para ele era lugar comum, a visão do mar.
O que acabo de descrever parágrafo acima pode parecer dúbio, quiçá ambíguo. Todavia é sabido que o mar não tem olhos e que tudo o que ele vê, vê com os olhos de Iemanjá e de Rei Netuno. Talvez por um ou outro olho estrábico de alguma ninfa, mas dele próprio não!
Ficaram por horas ali sentados, acostados um ao outro sobre a branca areia, sem pronunciarem um advérbio sequer. Serafina vestia um biquíni de cor negra que exaltava suas formas mais singulares, despreocupada daquele estranho indivíduo que lhe abordava num devir, parecia inofensivo. "Uma formiga! Dou-lhe meu nome e nada mais!".
Ao principiar o ocaso Serafina solta um suspiro de contemplação.
- Santos né?
- Hã!
- Seu nome é esse! Santos, não?
- Sim! S...s...sim, SIM.
- Fuma?
- Não obrigado!
- Pois deveria.
- Por quê?
- Não sabes o quão prazeroso é...
- Mas e o câncer?
- Como assim?! Que câncer?
- O seu.
- Mas eu não tenho oras!
- E se tiver.
- Não tenho!
- Mas, poderá ter.
- Não tenho e pronto!




Um silêncio sepulcral imperou durante horas, Santos parecia impávido, ao contrário de Serafina. Não era isso que ela esperava de um flerte. O homem começara tão gentil chamado-a indiretamente de anjo e agora vinha com essa história de câncer. “Que absurdo!” Mal a conhecia.
Após horas, já pela noite.
- E você tem?
- O quê?
- Câncer?
- Não sei.
- Já foi ao médico?
- Não gosto de médicos!
- Pois deveria ir.
- Mas não vou!
- Sabia que daqui poucos anos, na nossa velhice, teremos grande propensão a desenvolver algum tipo de câncer?
- Não. A única coisa que sei é que todo dia quando acordo, abro a janela e vejo a mesma e infeliz paisagem a me torturar com coisas repetitivas. Desde o começo do verão é assim. Vim aqui para descansar, tirar férias da mesmice da metrópole, e o que encontro? A mesmice da praia. Pelo visto você é muito bem informada. Estuda?
- Não, parei no colegial. A julgar pela voz e pelas costas, você deve ser um belo homem.
- Não, não. Eu tenho uma cicatriz no nariz, quer ver?
- Não!
- Ora que mal tem?
- Não quero te olhar nos olhos!
- E porque não?
- É difícil ver a verdade no olho masculino. Mas vocês têm uma facilidade em demonstrá-la.
- Qual o problema? Já teve alguma decepção ocular?
- Que papo é esse?
- Então porque não me olha?

Um novo e rígido silêncio veio abater aquelas duas criaturas, acordaram então que não se olhariam de frente. Serafina mergulhou mar adentro sem se despedir de Santos, ele a aguardou por um longo período, mas como ela não voltou Santos resolveu se recolher, já era noite longa e o sono era convidativo a belos sonhos, desejou sonhar com o rosto de uma ‘anja”, quanto a Serafina, não te preocupes, era exímia nadadora, vivia desde os quinze naquela praia, aos vinte e cinco era guarda-vidas, hoje aos trinta e dois não era dada a esses afazeres, mas ainda adorava nadar, mesmo que pela noite, quando não se vêem ondas quebrando, se exibia na alta estação praticando seu exuberante nado borboleta, os turistas se punham boquiabertos.




Na manhã seguinte Santos já não se importava com sua paisagem alheia, teve um sonho premonitório, onde Estado de Minas Gerais era açoitado por um golpe arquitetado por uma milícia de direita, apoiada pelo exército brasileiro e pelo Pentágono, que tornaria a região independente do Estado Brasileiro com interesses econômicos em tomar os estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo para obter saída ao mar e tomar de assalto a bacia de Campos e as regiões de extração petrolífera nos mares desses estados. Narrou tal epopéia onírica ao atendente da padaria onde resolvera tomar seu café da manhã, ou melhor, das onze e cinqüenta e cinco da manhã. Como era de se esperar atalhou o atendente:
-E pra beber? Suco de laranja?
- Garapa. Com limão e açúcar!
Logo ele que não era contar suas intimidades fora fazê-lo logo ao moleque da padaria.
- Troque a garapa pelo suco, por favor!
- Ih! Agora a cana já foi debulhada doutô!
- Tá!
Não poderia tê-la tomada, sua diabete poderia se descontrolar – E o câncer? - Será que tinha? Voltou num desvario hipocondríaco à sua casa e ligou ao seu médico em São Paulo.
- Como é possível descansar? Praia de merda! O câncer que se foda!
Cerrou a porta com tranca para que os porcos não adentrassem seu aconchego nu. Era assim que Santos se sentia, nu. – Não deveria ter contado o sonho ao rapaz da padaria! - Voltou à sua diversão em olhar suspiros de um mar antipoético esgueirando-se entre um emaranhado ondular de animais luxuriosos. Ligou sua velha vitrola, herança de um seu tio-avô, e colocou para rodar seu único vinil de jazz que adquirira num sebo da região central da megalópole. Dizzie Gillespie e garapa eram das poucas coisas que ele apreciava. Ao som de "November afternoon" tornou a buscar por seu anjo sexuado, ou melhor, sua “anja”.
- Bom dia!
- (Raios!) Bom dia.
- Não te vi ir embora ontem!
- Mas você não queria me ver.
- Não queria te olhar, é diferente.
- Como diferente? São sinônimos!
- Pra mim é diferente. Veja que ainda agora não te olho, mas te vejo claramente.
- (Uma mulher inteligente essa hora! É muito pra mim. Agora só falta eu me apaixonar). Fui pelo sono.
- Mas só fui dar um mergulho!
- Foi o sono.
- E o câncer?
- Não tenho.
- E o médico?
- Não fui. Oras! A fumante aqui é você.
- E a cicatriz?
- O que tem?
- Como está?
- Da mesma forma, quer ver?
- Obrigada, cicatrizes me arrepiam.
- Porque esse nome?
- Minha mãe.
- Ela era mística?
- Viu numa novela em que sua atriz predileta fazia uma personagem que levava esse nome.
- E você gosta?
- De novela?
- Do nome.
- Me acostumei.
- E as pessoas?
- Não sei.
- Eu não.
- Não gosta do meu nome?
- Das pessoas. Mas se já te comparei com uma anja!
- Então qual o porquê da negativa?
- Não gosto da situação. Sair de casa...
- Não saia então!
- Não posso. Preciso te ver.
- O que sentes?
- Amor.
- Por mim?
- Sim. E tu?

O silêncio de Serafina o fez concluir o contrário do ditado popular.

- De onde você é?
- Daqui.
- É caiçara?
- Não exatamente.

O poder sensível de Santos não era dos mais apurados.

- Tive um sonho.
- Comigo?
- Nunca vi teu rosto. Não. Conhece Minas Gerais?
- Estive em Varginha certa vez, a cidade do E.T., dizem que região é mística. Crês nisso?
- No meu sonho, Minas era tomada por um golpe de estado e se tornara independente do Brasil, mas dependente do golpe.
- Eu sou independente. Mas os separatistas não eram os do Sul?
- E os reacionários do sudeste. Posso te olhar?
Palpitavam ferozes as artérias de Santos, e ao caminhar solitariamente pelas alvas areias, olhou pra trás, Serafina se indo, ele sem seus óculos. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, Serafina ia, ele ia, iam. Serafina se virou o olhou e mergulhou nas águas oceânicas. Já tardara a noite e o mausoléu Santos não ouvira mais os roncos dos porcos. Seu mármore de carrara, sua construção, seu vão aconchego, seu fim no começo, sua eterna cópula solitária, infertilidade outonal. Visões de um paraíso ferido e distante, multiplicador de si, em si mesmo. Seu câncer.

RODRIGO H.