quinta-feira, 21 de maio de 2009

Tema 19 - Pernas

Leitura de revista





Um furo! Um inocente furo me fez reparar. Sentado à espera da consulta lendo uma porcaria qualquer dessas que há em qualquer consultório de um médico qualquer, aguardava à hora da chamada para adentrar à sala do dentista, nela seria decidido meu futuro, o futuro de toda uma geração de arcada e obturações, falava-se até em cirurgia!, anestesista, bisturi e outras coisas nauseabundas que dão outras coisas incômodas nos sentidos de qualquer um, eu que sempre pensei que a broca seria o portal para o inferno descobri que a fechadura estava ao lado da mesa da secretária. A capainha tocou, provavelmente mais um infeliz que tenha de colocar aparelho nos dentes ou um pior que esteja como eu. Existiria alguém pior que eu naquele e dia? Obviamente não.

Era uma mulher, os passos, a onomatopéia dos saltos ecoaram pelo corredor.

- Olá tudo bem Dona Sônia?

- Bom dia Virgínia como vai?

- Com medo da broca.

Os risos soaram falsos como as saudações de desejos de bom grado, Sônia passou e se sentou para ver a agenda do doutor Alcides, eu com os olhos nem tão fixos numa revista de futilidades, levantei-os sobre os óculos e a vi da cintura pra baixo. Minha timidez não me permitiu qualquer contato visual com Vigínia. Ah Virgínia! Era um belo vestido aquele dela, belo e curto, pegava à metade de sua coxa, suas pernas eram perfeitas, quase um flamingo, e antes que se comente coisas negativas acerca dessas belas aves peço que antes visitem uma reserva onde elas estejam em seu estado natural. Assim era ela, natural naqueles saltos, as meias transparentes alçavam a lisura de seus joelhos e a nitidez das panturrilhas bem feitas como a dona, nunca conheci pernas iguais, quase um manga larga. Sentou-se diante de mim para a alegria e constrangimento de meus olhos que “liam” interessadamente aquela revista. Cruzou as pernas, porque elas fazem isso? Isso de cruzar as pernas é quase mortal, é quimera para homens que nunca sonharam, pra quê cruzar as pernas! Sobretudo quando se estão elas dentro de tão lindas meias e tão bem formadas pelo tempo.

A julgar pelos joelhos devia ter mais que trinta anos. Eu torci para que ela não pegasse revista alguma, no começo foi bom, ficou a ouvir alguma música alta que saía de seu Mp 3 player, provavelmente um desses resquícios roqueiros dos anos 80, uma dessas caretices que enganam pela roupagem de modernidade. Desligou o aparelho e pra minha tristeza sacou de uma revista feminina. O que será que pensava? Será que me olhava também? Não que é isso... Logo eu! Um cinquentão desquitado com medo de anestesia!!! Não jamais me olharia senão para perguntar as horas, mas como as pulseiras dos relógios me dão alergia... Bem que mamãe poderia ter insistido mais com papai para me levar ao alergologista, mas ele achou que isso não interferiria na minha vida, em sua época os casamentos eram arranjados. Sempre achei que os relógios valiam mais que o tempo que nele consultávamos.

Permaneceu a ler sua revista, a essa altura suas pernas me hipnotizavam de tal forma que possivelmente eu já deveria ter dado na cara, não mais me lembrava do que me esperava na cadeira do doutor Alcides. Devia ser fútil, só gente fútil lê revista de fofoca em consultório dentário, com essas pernas só podia ser fútil. Provavelmente freqüenta baile funk sem calcinha, arrebitando o rabo pra todo mundo ver o que a roupa esconde. Não... Com essas pernas não. Era atleta! Isso sim! Atleta! Uma tenista! Talvez como aquela russa campeã de Wimbledon. É possível...

- Dona Virgínia pode entrar.

Levantou-se deixando cair a revista de volta ao cesto. Uma após a outra se entrelaçaram até chegar à porta que dava à sala de exames. Parou, exitou. Acho que ela olhou pra trás, mas eu só olhava para baixo.







Nenhum comentário: